ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | As cinzas das letras: o cinema e os escritores europeus do pós-guerra |
|
Autor | Pablo Gonçalo |
|
Resumo Expandido | De forma ímpar, as ruínas da segunda-guerra mundial abrigaram e propiciaram uma das principais interações históricas entre o cinema e a literatura. Talvez por um desejo de escritores e intelectuais de participarem, engajados, dos projetos de reconstrução dos seus países; talvez pelo gesto de produtoras e televisões públicas convidarem esses mesmos sujeitos de letras a elaborarem novas dramaturgias diante da catástrofe que viveram e da herança nazi-fascista. O fato é que o cinema passou a ser uma linguagem comum e versátil. Nesse contexto, os escritores transgrediram os muros e as fronteiras das tradições mais clássicas das letras.
É dento desse amplo panorama geracional que nos deparamos com escritores como Peter Weiss, Samuel Beckett, Marguerite Duras, Alain Robbe-Grillet, Pier Paolo Pasolini, Georges Pérec e Peter Handke que acabaram por tecer mais do que meros flertes com o cinema e que foram, de fato, além de intenções ou de projetos fortuitos. De maneira genérica, pode-se constatar que a maior parte desses escritores concilia tanto uma produção literária com um conjunto coerente de filmes, que configuram obras cinematográficas, paralelas às literárias. Embora tenham estilos e tendências estéticas realmente distantes e distintas, esses escritores compartilharam do mesmo chão histórico. Esta proposta de apresentação no Seminário Temático pretende apresentar, de forma sintética, as motivações e as inquietações estético-políticas que estimularam os escritores a uma efetiva prática intermedial. Mais do que uma crise da escrita, e da literatura, percebe-se como esses escritores – de prosa, teatro e poesia – refugiaram-se no cinema para, dali, reinventarem formas da escrita, e do papel da escritura, dentro dos seus contextos sociais e históricos. No seio desse debate, propomos três grandes eixos temáticos, que permitem uma compreensão conjunta e comparada desses escritores, a qual, obviamente, não irá se deter nos detalhes estéticos de cada uma dessas obras. O primeiro refere-se às relações entre escrita e mídia; no segundo eixo, elucidaremos brevemente a importância das ekphrasis, paisagens e das locações nas elaborações estéticas desses artistas; no terceiro e último eixo, frisaremos como podemos observar, pouco a pouco, a transformação de um projeto literário, no qual, de Beckett a Pérec, passa-se do escritor intelectual ao escritor performático. Kittler e Flusser, por outro lado, nos lembram de que a escrita – e a literatura – estão contaminadas por tendências históricas e padrões tecnológicos. São gestos, constantes, marcados por suportes, formas de consolidação e circulação de sentidos. O roteiro, como prática e potência midiática insere-se no seio desse debate. A maioria dos escritores compartilharam a primeira parte dessa experiência. Beckett e Handke, por exemplo, escreveram diversas peças para rádio. Duras e Robbe-Grillet ganharam notoriedade nas colaborações com Alain Resnais, nos filmes como Hiroshima mon amour (1959) e L'anné derniere à Marienbad (1961). Pasolini, ainda jovem, descobriu o cinema na escrita do roteiro e dos diálogos de Noites de Cabíria, dirigido por Fellini. Nos anos setenta, Beckett não se limitaria mais à dramaturgia teatral, passando a escrever tanto o roteiro de Film (1964) como vários scripts para a televisão. Esses escritores levaram às telas alguns experimentos característicos da literatura: como as imagens líricas e os diálogos dialéticos de Marguerite Duras, o esvaziamento dramático dos personagens de Beckett, lampejos eróticos e acontecimentos visuais puros de Robbe-Grillet, as colagens e a crônica em Peter Weiss, a procura por um cinema de poesia em Pasolini, as relações entre a narrativa, o acaso, as regras restritas (ou mesmo certos dispositivos literários) e a inspiração na hipnose em Georges Pérec; e, por fim, a busca por uma engrenagem narrativa baseada no acontecimento e na presença, como marca o estilo de Peter Handke. |
|
Bibliografia | BECKETT, Samuel. Complet dramatic works. London: Faber and Faber, 2006.
|