ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Manoel de Oliveira entre fantasmas e antimatéria |
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Autor | Edimara Lisboa |
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Resumo Expandido | Do cinema mudo ao cinema digital, o cineasta português Manoel de Oliveira (1908-2015) presenciou grande parte da história do cinema e realizou filmes que dialogaram com essa história de forma marcadamente autoral. Apesar de não ter se dedicado propriamente à teoria e à crítica de cinema, Oliveira nunca deixou de expressar o seu pensamento sobre a arte cinematográfica. Na década de 1980, gerou grande polêmica ao afirmar que "o cinema não existe", mas é a captação mecânica de todas as artes. Mais tarde, ele veio a suavizar esse axioma, compreendendo o cinema como a síntese fantasmagórica de todas as artes (cf. PRETO, 2008).
A noção oliveiriana do cinema como arte da fantasmagoria vem do entendimento de que, diferente do teatro ou da literatura, da pintura ou da música, o cinema não teria matéria própria, mas trabalharia com pedaços capturados de matérias preexistentes. Desse modo, o cinema captaria um duplo das outras artes, e mesmo da própria realidade, para composição de seus filmes. Cada filme seria a síntese imaterial, fantasmática (mas artisticamente trabalhada via enquadramento e montagem), de matérias que lhe são alheias. Se existe uma matéria cinematográfica, nesse sentido, ela seria a película fílmica. Mas mesmo essa tem sucumbido às facilidades do digital. O estranho caso de Angélica, roteiro original escrito por Oliveira na década de 1950, mas que só veio a se concretizar em texto fílmico em 2010, problematiza essa noção oliveiriana de cinema. A partir da fábula curiosa de uma jovem morta que volta à vida por meio de uma câmera fotográfica analógica, uma vez que a alma dela parece ser capturada pela objetiva, esse filme de Manoel de Oliveira discute as especificidades da película em tempos de imagem digital e no entrecruzar de duas épocas distintas, meados dos anos 50 e dias atuais, sobrepondo num mesmo discurso multissemiótico questionamentos religiosos, metafísicos e científicos, de versos de Antero de Quental à hipótese da antimatéria. Dado que a fotografia digital tornou o clique fotográfico um procedimento tão corriqueiro que o ato de fotografar em si mesmo já pouco chama a nossa atenção ou interesse, é válido lembrar que houve comunidades que não se deixaram fotografar por acreditarem que a película, ao captar a luz que emana dos seres, era também capaz de aprisionar a alma. Hoje a película fotográfica está em desuso, sobretudo depois da falência da Kodak e de a Paramount abandonar o formato 35 mm (GAUDREAULT; MARION, 2016), por isso a câmera fotográfica analógica que capta o fantasma de Angélica é uma metáfora do cinema de arte em dias de blockbusters que normatizam procedimentos de opacidade cinematográfica. Uma metáfora da permanência em tempos de constante mudanças. Manoel de Oliveira parodia o cinema comercial multimilionário usando técnicas de computação gráfica para criar efeitos especiais à moda do cinema primitivo e acaba por demonstrar que o potencial artístico não está apenas na forma, mas em seu diálogo artístico com o conteúdo. Esse filme nos lembra que, com uma câmera analógica, o ato de fotografar se torna mais difícil e fora do comum: não basta pressionar um botão, é preciso ajustar a iluminação ambiente, selecionar manualmente a distância focal, pensar no que merece o clique para não “queimar” a pose, esperar a revelação para visualizar o resultado da foto. Nada é automático e há um grau enorme de incerteza. Se o cinema do século XXI se transformar em espaço de certeza e automatismo, haverá lugar de reflexão suficiente para desenvolvimento da aura benjaminiana, ou o cinema se transformará num fantasma dele mesmo? |
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Bibliografia | ARAÚJO, N. Entrevista com Manoel de Oliveira. In: ARAÚJO, N. (org.). Manoel de Oliveira: análise estética de uma matriz cinematográfica. Lisboa: Ed. 70, 2014.
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