ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Actas de Marusia, da palavra à audiovisão |
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Autor | Maria Alzuguir Gutierrez |
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Resumo Expandido | A proposta desta apresentação é uma análise do filme Actas de Marusia. A abordagem do filme será feita a partir de uma comparação com o romance que lhe deu origem. Não se trata de uma comparação com juízo de valor, impensável em se tratando de distintos meios. Mas as diferenças entre filme e romance permitem uma reflexão sobre a obra cinematográfica, a partir das opções do diretor na passagem da literatura ao cinema. Alguns aspectos do enredo são transformados, bem como o caráter de algumas das principais personagens. Com isto, há uma mudança de enfoque: do didatismo do relato literário ao caráter épico do filme.
Esta mudança se efetua na passagem das palavras às imagens. O filme conta com uma bela fotografia, enquadramentos sumamente trabalhados, compostos em tableaux, a romper o fluxo da narrativa e lhe demarcar os momentos pregnantes (refiro-me aqui à análise de Barthes sobre as afinidades entre Diderot, Eisenstein e Brecht). Estas imagens compostas, em meio a um filme de combate, reiteram o caráter exemplar do relato, da mesma maneira como a recitação anti-naturalista do texto. Pretendemos analisar também como se apresentam, no filme, as posições políticas de cada personagem. No livro, há três personagens que representam posições e estratégias políticas distintas: a luta sindical e legalista de Soto, a guerra de guerrilhas sugerida por Medio Juan e o enfrentamento direto, defendido por Gregorio Chasqui. É dado a eles a possibilidade de expressar seus pontos de vista através do discurso direto, em que explanam suas propostas de maneira didática. No filme, os discursos são em grande parte eludidos, e as diferentes posições devem ser apresentadas por meio da ação de cada personagem. Há também o uso da voz over, privilégio de Chasqui que, no entanto, não carrega o mesmo caráter didático do livro. Além disso, há uma sensível mudança no caráter da personagem central: no livro, Gregorio Chasqui é um operário intelectualizado, conhecedor de fatos históricos e informado sobre a conjuntura internacional. No entanto, ele é analfabeto, como sua esposa, que termina o livro prometendo aprender a escrever para contar a história do massacre de Marusia. O nome de Gregorio, Chasqui, indica que ele tem ascendência indígena. No filme, é o próprio Gregorio quem escreve a história de Marusia, em manuscrito que entrega aos companheiros para que levem a outros campos de extração de salitre. Ou seja: há uma conversão do operário descendente indígena em intelectual. Qual o significado de tal conversão no momento histórico da produção do filme é algo a ser tomado em consideração. Analisaremos ainda algumas opções de produção do filme: para os padrões da cinematografia da América Latina, o filme pode ser considerado uma superprodução, com centenas de figurantes, explosões, e, sobretudo, uma estrela internacional escalada para interpretar o protagonista. Naturalmente, a contratação de Gian Maria Volonté para o papel central traz consigo uma série de associações. O ator era filiado ao Partido Comunista Italiano e havia atuado em filmes de Sergio Leone e de diretores do cinema engajado europeu. Isto nos traz uma pista sobre o filme, que tem traços épicos do western e do cinema de guerra, e aspectos do cinema político. Aliás, a proposta é que esta análise do filme nos permita situá-lo no contexto cinema político internacional: pois podemos pensar que este filme de Miguel Littín esteja mais próximo do cinema de diretores como Costa-Gavras e Gillo Pontecorvo do que das propostas estéticas de vários de seus colegas latino-americanos. |
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Bibliografia | Barthes, Roland. “Diderot, Brecht, Eisenstein”. In O óbvio e o obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, 85-96.
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