ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Quem filma hoje o Estado-nação na Guiné-Bissau? |
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Autor | Catarina Laranjeiro |
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Resumo Expandido | No contexto das lutas de libertação, diferentes estadistas compreenderam que o cinema constituía uma ferramenta poderosa para a construção da memória identitária das nações que lutavam pela sua autonomia, tendo-se tornado num componente essencial nas lutas que marcaram o fim do colonialismo. Destaca-se que este encontro começou no momento da descolonização e continuou no pós-independência, quando muitos dos novos Estados africanos tomaram o cinema como uma forma de expressão política da sua soberania no plano simbólico. O cinema africano emergiu por uma vontade de realismo social, de educação moral e política e de reabilitação cultural, numa altura em que estava tudo por fazer no sentido de recusar o exotismo e a alienação colonial. Foi neste contexto que quatro jovens guineenses foram enviados pelo movimento de libertação, o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde) para estudar cinema em Cuba em 1968. Pretendia-se assim que a nação guineense fosse projetada no imaginário colectivo através de processos de representações sociais que o cinema convoca.
Após a independência da Guiné-Bissau foi criado o Instituto Nacional de Cinema da Guiné-Bissau (INCA). Quando Sana N’Hada foi contemplado com uma bolsa sueca para realizar um filme, decidiu documentar as cerimónias fúnebres em honra de Amílcar Cabral na cidade de Bissau durante a transladação do corpo de Conacri, onde tinha sido assassinado a 20 de Janeiro de 1973. O filme “O Regresso de Cabral” é assim o regresso do líder da luta de libertação através do discurso fílmico. Cabral surge como uma figura messiânica na qual reside toda a força política e anímica da construção do novo país soberano e independente. A ideia de um líder carismático que reunia o consenso da população foi essencial para a afirmação e legitimação da luta de libertação no contexto internacional. Tendo o líder sido assassinado havia que garantir a perpetuação da sua influência através do ritual fúnebre, que por sua vez foi perpetuado através do discurso fílmico. Desta forma, o corpo morto de Cabral foi encouraçado e contaminado por símbolos materiais e imateriais que tinham como objectivo facilitar a sua incorporação na memória colectiva através da enunciação indireta das mitologias associadas à luta de libertação e ao novo Estado-nação que sobre esta se fundava. Permite-nos assim aceder ao imaginário nacional idealizado pelo PAIGC e de como através dos rituais fúnebres do seu líder histórico foi acionada uma visão política que se procurava legitimar a opção política escolhida pela liderança do movimento. Considero que este foi um dos instrumentos que possibilitou impor um projeto político que pretendia alcançar a mesma identidade nacional entre dois países com histórias sociais e políticas muito distintas, sendo no caso particular da Guiné-Bissau, existem ainda inúmeras diferenças entre os 27 grupos étnicos que compõe o território. Por sua vez, o filme "A Lei da Tabanca" evidencia como o projeto de Estado-nação guineense desafia radicalmente o reconhecimento e a integração do pluralismo de posições e a diversidade sociocultural, princípio básico para ampliar a participação democrática, ao tornar visível uma pluralidade de identidades que constituem a Guiné-Bissau contemporânea que ultrapassam as memórias do projeto nacionalista avançado pela direção do PAIGC. A convocação destas identidades emerge como um possível meio para compreender as múltiplas rupturas e conflitos e o seu contributo para a construção de uma identidade que não quis ser singular. E talvez assim se obtenham algumas pistas sobre as razões que transformaram a delimitação de fronteiras e as políticas de pertença e cidadania em espaços de instabilidade política permanente. |
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Bibliografia | Bhabha, Homi (2005), O Local da Cultura. tradução de Myriam Ávila et al, Belo Horizonte: Editora UFMG.
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