ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Rastros de desaparecimento no cinema contemporâneo brasileiro |
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Autor | Camila Vieira da Silva |
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Resumo Expandido | No início do século XXI, é possível encontrar um conjunto de filmes brasileiros que reconfiguram certo padrão de visibilidade do real, a partir da potencialização de vazios, interstícios, ausências, desaparecimentos, capazes de desencadear uma cisão no olhar e permitir a aproximação com o mistério, com a sensação de perda ou com a iminência da morte. Isto implica dizer que o cinema contemporâneo brasileiro começa a abrir caminhos para outras experimentações estéticas, que vão radicalmente de encontro a uma tradição do cinema nacional, ancorada no estatuto da presença via formulação de uma imagem de Brasil ou da construção de representações histórico-sociais.
No lugar de quaisquer “efeitos de presença”, seja pela exacerbação da evidência dos corpos, pelo excesso de drama ou pela afirmação da alegoria e da paródia, outras estratégias passam a ser exploradas pelo cinema contemporâneo brasileiro, buscando um pacto diferente com o espectador a partir de uma marca estética que designo de “rastros de desaparecimento”. Tais características principais podem estar vinculadas ao descentramento das presenças humanas no plano – inclusive sujeitas a uma iminente invisibilidade –, a proliferação de figuras fílmicas que sugerem o desaparecimento (desfoque, contraluz, nuvens, deserto, fantasmagorias), a rarefação das ações dramáticas, a diluição dos grandes acontecimentos a favor da invenção de atmosferas que desencadeiam mais sensações que escapam do que presenças concretas. Os “rastros de desaparecimento” manifestam-se de maneiras singulares, de acordo com a especificidade de cada filme. Camila, Agora (2013), de Adriel Nizer Silva, subverte o autorretrato pela exploração do desfoque, do contraluz, do borrado, do flare, da imagem duplicada. Em Dia Branco (2014), de Thiago Ricarte, o nevoeiro constrói o espaço atmosférico que indica a ausência. Em Eles Voltam (2011), de Marcelo Lordello, a exploração intensiva do fora de campo enfatiza o desnorteamento e a busca pela errância. Em Linz – Quando Todos os Acidentes Acontecem (2013), de Alexandre Veras, a experiência do deserto, do atravessamento e do fracasso coloca o corpo ao risco de sua própria invisibilidade. Em A Misteriosa Morte de Pérola (2014), de Guto Parente, há uma invenção de um rosto-máscara potencializado pela contaminação de olhares e de repetições que enfraquecem a expressividade do rosto e tornam opacas as intenções das figuras humanas. Em O Sol Nos Meus Olhos (2012), de Flora Dias e Juruna Mallon, o fantasma motiva a exploração de lugares de travessia. Em comum, todos os filmes colocam em xeque a presença como produção única e exclusiva da imagem. Por presença, reporto-me a uma noção básica formulada por Hans Ulrich Gumbrecht, em especial no seu livro Produção de Presença (2010). Definida a partir da raiz etimológica da palavra latina prae-essere, a “presença” diz respeito a qualquer coisa concreta do mundo que está à nossa frente, diante do nosso olhar, que ocupa espaço, que é tangível aos nossos corpos, sem ser apreensível única e exclusivamente a uma relação de sentido. O conceito de presença não parece ser suficiente, justamente porque há algo que se forja na conexão com a arte, que ultrapassa sua mera condição de materialidade. Nos filmes brasileiros que esta pesquisa investiga, o ato de ver remete a um vazio que nos constitui, que nos convoca, que nos olha, para ficarmos mais próximos das reflexões de Georges Didi-Huberman em O que vemos, o que nos olha (1998). Tais filmes podem derivar de uma herança minimalista, na medida em que inventam imagens que, ao mesmo tempo em que não chegam a renunciar da presença como modo de entrada, elas abrem fendas, vazios e intervalos nesta presença para promover uma cisão no olhar. |
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Bibliografia | BERNARDET, Jean Claude. Brasil em tempo de cinema. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
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