ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Emoção, subjetividade e experiência: percursos entre o espectador e a |
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Autor | Beatriz Avila Vasconcelos |
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Resumo Expandido | Entre as motivações para refletir sobre a criação cinematográfica, Andrei Tarkovski evidencia, já desde a primeira página de Esculpir o Tempo, a centralidade do espectador para este projeto. De fato, é a partir da necessidade de dar uma resposta ao sério desejo de muitos de seus espectadores de saber como o cinema, e sua obra em particular, "os afetavam daquela maneira" que Tarkovski se põe a teorizar acerca dos princípios fundamentais de sua arte. Esculpir o Tempo nasce, assim, como um potente diálogo entre um artista que busca criar um cinema que eleve seu público ao mesmo "chamado da verdade" (p.49) a que o próprio artista se entregou no ato da criação. Neste trabalho, busco explorar três noções que emergem nas reflexões de Tarkovski como elementos deste espectador "emancipado", para retomar a expressão sugestiva de Ranciére (2012). São elas: emoção, subjetividade e experiência.
Longe de criar para um espectador-objeto, de se guiar pelos possíveis desejos e referenciais de seu público, Tarkovski cria como se estivesse convidando o espectador a uma partilha, a uma busca comum pela potência maior da arte, que é a capacidade de "preparar uma pessoa para a morte, arar e cultivar a sua alma, tornando-a capaz de voltar-se para o bem" (49). Nesta perspectiva, o relacionamento com a arte exige de criadores e também de espectadores a radicalidade de fruir a arte como uma experiência - isto é, como algo realmente relacionado com o vivido - uma experiência espiritual. Por "espiritual" Tarkovski quer designar tudo o que conecta o ser humano à sua natureza mais profunda enquanto humano, tudo o que o torna um ser religioso no sentido etimológico do termo, isto é, um ser re-ligado à sua própria essência humana em busca de transcendência. Esta radicalidade imposta ao espectador de fruir a obra de arte como experiência espiritual não implica em Tarkovski em momento algum o confinamento da arte a uma elite de iniciados ou entendidos. " A arte se dirige a todos, na esperança de criar uma impressão, de ser sobretudo sentida, de ser a causa de um impacto emocional e de ser aceita, de persuadir as pessoas não através de argumentos racionais irrefutáveis, mas através da energia espiritual com que o artista impregnou a obra" (p.40). De fato, dentre os espectadores de seus filmes que lhe deram o retorno mais profundo estão pessoas comuns - uma operária de Novsibirsk, um operário de uma fábrica de Leningrado, um professor, um homem de idade avançada (p.5-8). Esta profundidade de recepção não depende, portanto, de nenhum conhecimento técnico ou erudição, mas sim da autenticidade do relacionamento do espectador com a obra, autenticidade fundada no seu envolvimento subjetivo com aquilo que ele recebe da arte. Este envolvimento subjetivo é o que garante que o espectador se entregue a uma contemplação veraz, orientada por uma busca autêntica de conhecer-se, em seu aspecto mais elevado, no espelho da obra. E o que permite este envolvimento subjetivo é, para Tarkovski, justamente a emoção. É ela o caminho para a vivência da arte como experiência de elevação e, aristotelicamente, de liberação. Nas palavras do próprio autor: Ao se emocionar com uma obra-prima, uma pessoa começa a ouvir em si própria aquele mesmo chamado da verdade que levou o aro artista a criá-la. Quando se estabelece uma ligação entre a obra e seu espectador, este vivencia uma comoção espiritural sublime e purificadora. Dentro dessa aura que liga as obras-primas e o público, os melhores aspectos de nossas almas dão-se a conhecer, e ansiamos por sua liberação. Nesses momentos, reconhecemos e descobrimos a nós mesmos, chegando às profundidades insondáveis do nosso próprio potencial e às últimas instâncias de nossas emoções." (p. 49) Delineia-se assim - pela tríade emoção, subjetividade e experiência espiritual - a ideia de um espectador capaz de usufruir aquilo que Tarkovski quer oferecer com seus filmes: “uma oportunidade de experiência profundamente íntima” (p.221). |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. As teorias dos Cineastas. Tradução por Marina Appenzeller. São Paulo: Papirus, 2004.
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