ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Corpo erótico e invenção: as ruínas da História em “Cinema inocente” |
|
Autor | Fabio Camarneiro |
|
Resumo Expandido | O média-metragem “Cinema inocente” (1980) está estruturado a partir do encontro entre o realizador Júlio Bressane e o montador Radar (Leovigildo Cordeiro), que até então havia trabalhado em três longas-metragens do diretor e que, posteriormente, montaria ainda “Tabu” (1982). Os primeiros momentos de “Cinema inocente” concentram-se na paisagem de um subúrbio do Rio de Janeiro, intercalada com um breve trecho com imagens de arquivo que retratam Nova York no início do século XX. Bressane justapõe o Rio – que representa um espaço afetivo a organizar grande parte de sua obra – e a cidade estadunidense, que aqui aparece como índice de certo modelo cinematográfico e de certo código moral implicado na apreciação das imagens em movimento, que reaparecerão em diversas citações, feitas no decorrer de “Cinema inocente”, aos filmes curtos de Thomas A. Edison. Um exemplo é “Fatima’s Cooche-Cooche Dance” (1896), de aproximadamente um minuto de duração. Espécie de marco na história da censura cinematográfica, já que, em 1907, o Comitê de Censura de Chicago decidiu adicionar duas faixas a esse filme de Edison, marcando-o como “impróprio”. (POLLARD, 2009, p. 199) O trecho visto em “Cinema inocente” apresenta duas tiras gradeadas a cortar horizontalmente o quadro: trata-se de um dos primeiros casos de censura na história do cinema, além de marcar um dos temas do filme de Bressane: o corpo erótico e sua relação com a imagem cinematográfica. Em outro momento, surgem trechos de pornochanchadas – montadas por Radar – e incorporados por Bressane. “Cinema inocente” radicaliza o procedimento de incorporação de materiais alheios (filmes, músicas etc.), uma das marcas centrais da obra do realizador. Nesse sentido, a escolha do montador se transforma em signo do próprio cinema de montagem de Bressane, em que se misturam as imagens de arquivo da cidade de Nova York, o jazz, a trilha musical de “Marnie”, de Alfred Hitchcock, os filmes curtos de Edison, entre outros. O espírito é o de um historiador, que recolhe estilhaços da história para reorganizá-los em uma narrativa fílmica. Segundo Walter Benjamin, tratar-se-iam de “ruínas”: “Onde nós vemos uma cadeira de acontecimentos, [o anjo da história] vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés.” (BENJAMIN, 1985, p. 226) Na parte final de “Cinema inocente”, Bressane e Radar simulam uma entrevista com o cineasta francês Marcel L’Herbier, a paisagem carioca ao fundo. Após Edison, L’Herbier. Para Bressane, se os filmes do Primeiro Cinema (Edison) são vistos como “inocentes” – tanto no tratamento do corpo erótico como na invenção de formas cinematográficas –, a vanguarda francesa dos anos 1920 (aqui representada por L’Herbier) seria o ápice dessa “inocência” e dessa “invenção”. Em uma entrevista publicada na edição 202 da revista Cahiers du Cinéma (que aparece sendo folheada por Bressane no filme), o realizador francês fala do papel central da presença do mar em “L’Homme du large” (1920), quando ele teria tomado “um elemento natural como protagonista, e esse elemento é o mar, o mar bretão com suas tempestades, sua imensa superfície”. (FIESCHI, 1968, p. 30) O mar, elemento recorrente na obra do próprio Bressane. Os “elementos naturais” citados por L’Herbier são também protagonistas do realizador brasileiro, expressão de sua subjetividade e cenário no qual se reorganiza sua coleção de “ruínas”, tomadas de empréstimo da história do cinema. No espaço urbano do Rio de Janeiro, realiza-se também uma tentativa de retorno a certa “origem perdida” do cinema. Espécie de “El Dorado” em que invenção formal e liberalidade sexual podem mais uma vez se encontrar, como nos exemplos dos filmes “inocentes” de Edison. O trópico como lugar privilegiado do erotismo, mas também da invenção cinematográfica mais relevante. |
|
Bibliografia | BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e politica: ensaios sobre literatura e história da cultura. tradução: Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Obras Escolhidas; vol. 1.) |