ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | As "Proezas de Satanás" e os "efeitos de magia" no cinema brasileiro |
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Autor | Simplicio Neto Ramos de Sousa |
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Resumo Expandido | Jean-Claude Bernardet (2011, p. 151), crítico atuante no auge do Cinema Novo, nos resume, já num artigo de 1968 que, "desde 65", passa-se "da análise em base naturalista para um uso didático e deliberado da alegoria e da metáfora" nos filmes do movimento, alguns incorporando elementos ditos fantásticos na descrição da realidade brasileira. Nos termos colocados a época por Glauber Rocha, tal afastamento do naturalismo, se dava, não só, pelas necessidades de expressão codificada, dada a Censura do Regime Militar, mas pela superação conceitual da estética da fome, que marcou o início do Cinema Novo, de teor neo-realista. Agora se impunha uma estética do sonho, que incorporaria também as tradições surrealistas, irracionalistas, ou fantasiosas, de representação. Era uma abertura tanto para influências internas recalcadas, as do pensamento mágico tradicional das culturas afro-ameríndias do Brasil, como para influências externas, das vanguardas, das críticas que o dramaturgo Bertolt Brecht - com seu "Teatro Épico", baseado num "efeito de distanciamento" -, havia feito ao realismo. Críticas presentes também no cinema europeu, em Jean Luc Godard, etc (STAM, 1981). Nessa busca do fantástico em numa realidade brasileira, versão cinematográfica do realismo mágico que também ganhava espaço na literatura latino-americana, destaca-se "Proezas de Satanás na Vila do Leva-e-Traz" de Paulo Gil Soares, um filme lançado no mesmo 1967 de Terra em Transe. Nele Paulo Gil trabalhara como assistente de direção de Glauber, seu ex-colega na Escola de Teatro da UFBA, dirigida por Martim Gonçalves, um divulgador de Bertolt Brecht, no Brasil (MEDEIROS, 1987). Glauber assumia a ajuda de Paulo Gil na estética do sonho em Terra em Transe, nos procedimentos que permitiram "criar um novo país, Eldorado, estilizando cenários existentes do Rio." (ROCHA, 1967). No filme de Paulo Gil que analisaremos, prêmio principal no Festival de Brasília de 1968, o próprio Demônio, chega ao Sertão. Contudo, na busca pela representação de realidades fantásticas de Paulo Gil, não se parte para os expedientes típicos dos expressionistas alemães, como a artificialidade de cenários absurdos. Aqui se parte na direção inversa do expressionismo, que, segundo André Bazin (1991), tinha mais fé na imagem, e construía cenários falsificantes, sem conexão com o real. O baiano continua afirmando sua fé no real no sentido bazaniano, buscando a filmagem em locação e o respeito ao registro de um contínuo do espaço-tempo, através do plano-sequência,. Neste estilo de Paulo Gil, num cenário não artificial, explora-se sua potencialidade de sugerir mundos imaginários, nessa aparente contradição incorporando elementos incômodos a Bazin, os elementos de fantasia, e o dialogo com os gêneros "irrealistas", do terror e do mistério, e seus efeitos de magia (STAM, 2008). O filme é repleto de cortes abruptos na montagem, incorporando os jump-cuts e faux raccords disseminados pelos filmes de Godard e Alain Resnais, a princípio como forma de distanciamento brechtiano adaptadas ao Cinema. Procedimentos que nós então nos propomos estudar, num trabalho de análise fílmica, levantando a questão de como, em boa parte do filme, esses "jump-cuts" e "faux raccords" na verdade são usados como "special effects" no sentido hollywoodiano, efeitos de ficcionalização, usados para denotar as transformações e magias diabólicas, seus atos de transfiguração do real. Efeitos que são imersivos, pois os percebemos como geradores de "unheimlich". Tal conceito freudiano dá conta do efeito psicológico de estranheza causado ao leitor pela literatura fantástica, e pelo romance gótico do século XIX, o conto de terror romântico a la E.T.A. Hoffman (TODOROV, 2000; CESAROTTO, 1996). O desnorteamento do "unheimlich", atrai os fãs dos gêneros fantásticos, fascinados pelo desconhecido. Como esse questão se resolve nas técnicas de mise-en-scéne de Paulo Gil, e quais as possibilidades que elas apontam para um cinema brasileiro fantástico? |
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Bibliografia | BAZIN, André. O Cinema: Ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991. |