ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Pasolini, uma estética do desespero. |
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Autor | Sylvia Beatriz Bezerra Furtado |
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Resumo Expandido | Accattone, primeiro filme de Pasolini, é de descobertas de cores, dos verdes intensos dos prados aos verdes espessos, intrincados, quase negros, banhado pelo sol, à contraluz, que dão as folhas um tipo de preto como se fora do metal. Em caminhando de Garbatella aos muros de São Sebastião, pela Appia Antiga e a Nova e Cecafumo, para chegar às locações de Accatone, Pasolini trabalhava a matéria do mundo, suas formas, os estratos de luz finíssimos que se fazia entre um muro coberto de vegetação, um bosque dominado por um momento de uma luz outra, infinita. Uma matéria do mundo onde Pasolini se viu ante aquela infinidade de verde, esplêndido, extenso, e assim também entre rostos iluminados pelo sol “cadavéricos”, luz que faz a mistura entre a morte e a vida, onde duela a felicidade e a miséria, a matéria de seus filmes, o lugar do trabalho das imagens. É também em Accattone que, desde logo, o filmar é uma articulação dessa matéria plástica que são as formas do mundo e das formas das artes. Em “Mamma Roma” se assiste ao embate com Anna Magnani sobre a cena onde se anuncia a morte de seu filho (Ettore), quando ela sai correndo em direção à sua casa. A última cena do filme, seu momento mais trágico. Pasolini explica então como esse processo ocorre, a partir de como a filmagem se faz em pontos máximos e não em variações ou outros pontos quaisquer: “Eu rodo a base de brevíssimos enquadres, enquadres que duram não mais que 2 ou 3 minutos, no máximo. Um dos primeiros planos, figuras inteiras, movimentos elementares que depois ligo, encadeio, entre eles, os traduzindo em uma montagem articulada desde o início das filmagens. Estava acostumada a enquadramentos mais longos, em que ela aparece em toda plenitude, adotando a personagem gesto por gesto, através de cada mínima passagem psicológica, em cada um dos detalhes mínimos de expressão.”( 2011:20, Pasolini). Pasolini, de “Accattone à “Saló”, passa por diferentes experimentações que partem do cinema do neorealismo, Rossellini, em especial, mesmo que no embate com o naturalismo desse cinema e em propondo um estilo artificial e maneirista que o leva a enquadramentos breves, frontais, a exemplo das referências aos pintores quatrocentistas. No entanto, à predominância dos planos-sequências assim como dos planos gerais ligados em seu conjunto Pasolini realiza filmes planos próximos, planos próximos frontais, não para ganhar uma eficácia expressiva mas em função de uma sacralidade. Essa é uma característica que difere Pasolini de De Sica e Rossellini, que segundo ele, são cineastas da esperança, uma certa forma estética da esperança. Em seus filmes, não há o plano-sequência, nem uma montagem de dois planos gerais seguidos um do outro. Não há para Pasolini uma estética da esperança – nesse caso, a esperança no tempo, no que ele é capaz de fazer acontecer- mas uma estética do desespero . É essa estética do desespero, atravessada por enquadres impossíveis, que atormentam as formas do cinema de Pasolini, rasgando sua própria linguagem com a linguagem do mundo, que compreendo, possa dizer de uma poética do cinematógrafo, feita de um olhar fascinado de realidade. O Pasolini de enquadres brevísimos, do ensolarado dos rostos em primeiros planos, é onde se subsume toda tragédia de uma vida que só ganha sentido quando se exaure, na operação de montagem. Pasolini, entre os heréticos, é aquele que toma a realidade como forma, afim de transforma-la em sua radicalidade. Seus breves e fulgurantes enquadres, descobertos quando a filmar o rosto de Franco Citti, em Acattonne, uma forma impetuosa de passar de um plano a outro, é como uma intervenção brusca, ligeira, é o gesto de febril do poeta do cinematógrafo atormentado pelos formas do mundo, por intervir sobre elas em seu momento máximo, interferindo como um ser implicado: “o cinema me fez manter o contato físico, carnal, diria inclusive de ordem sensual.” |
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Bibliografia | Biancofiore, Angela, Pasolini - Devenir d'une création, L'Harmattan, Paris, 2012. |