ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Imagem, palavra e neonaturalismo em Cláudio Assis |
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Autor | Bruno Leites |
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Resumo Expandido | Entre o final dos anos 1990 e, principalmente, o início dos anos 2000, um vocabulário ligado à doença e ao desencanto foi recorrente nos filmes brasileiros e em suas análises, nas quais se destacaram, dentre outros, os conceitos de ressentimento, má-consciência e distopia. Cláudio Assis foi um dos realizadores mais ativos neste universo. Nas imagens de seus filmes, percebemos um gosto pelas deformações, pelos pedaços e pelos resíduos de corpos, uma espécie de plasmaticidade, tal como proposta por Sergei Eisenstein (2013), porém de retorno ao inorgânico. É o caso do sangue no abate do boi em Amarelo Manga e do fogo com fumaça de queimada em outro filme, Baixio das Bestas. Em nível de entrevistas, vemos Cláudio Assis repetidamente afirmando que o seu desejo foi expor o câncer da Zona da Mata em Baixio das Bestas (ASSIS, 2015a, 2015b). Quanto à violência, ela deixa de ser social, ou predominantemente social, para ser interna e pulsional: “Por isso o Jonas Bloch mata cadáver, quem já está morto, porque é um vício inofensivo, simbólico. Os outros elementos surgem daí, dessa violência dentro de nós” (ASSIS, 2015c). Tanto Amarelo Manga quanto Baixio das Bestas precisam recorrer à palavra para especular sobre a doença. Em Amarelo Manga, um personagem recita: “Amarelo das doenças, das remelas, dos olhos dos meninos, das feridas purulentas, dos escarros, das verminoses, das hepatites, das diarréias, dos dentes apodrecidos… O tempo interior amarelo. Velho, desbotado, doente.” O texto é pronunciado parcialmente em voz over sobre a imagem do carro amarelo transitando pela cidade. Existe uma intervenção na imagem, o desenvolvimento de um conceito especulativo sobre a doença e o procedimento de associá-lo arbitrariamente a um significante, o amarelo. À cor, portanto, que possui toda as suas propriedades plásticas, é adicionada uma função textual. O buraco, em Baixio das bestas, aparece como uma metáfora. Ele vale menos como função plástica, que viria a instaurar uma zona de invisibilidade na imagem, do que como metáfora. Com relação ao buraco, é preciso ser redundante e atribuir um sentido. Por isso, quando um personagem cava o outro afirma: “Tá sentindo um cheiro estranho? Isso é a podridão do mundo.” Recorrer ao signo verbal para atribuir sentido à doença não parece ser fortuito em Cláudio Assis. Em Freud (1975), vemos que existe uma dimensão da doença que só pode ser conhecida via especulação. É a dimensão da pulsão de morte, irrepresentável em si própria. O irrepresentável, nesse sentido, e assim adotamos neste estudo, significa fazer da doença o efeito de um princípio, de um fundamento ou de um mito. Implica retirar a força da doença do nível do vivido e associá-la a um princípio atemporal. Em Cláudio Assis, a plasmaticidade do retorno ao inorgânico é costurada por uma especulação sobre o irrepresentável da doença, que pode aparecer, como nos trechos mencionados, como uma filosofia do tempo doente ou como uma metáfora da podridão interna do mundo. A obsessão por mostrar, por tentar expor algo que, todavia, não pode ser plenamente materializado, é uma urgência em Cláudio Assis (2015b): “Eu tô te mostrando, tá aqui. Você que diz, qual é a sua atitude, que você vai assumir perante isso”. Faz sentido aqui a afirmação de Jacques Rancière (2011, p.133-161) de que, quando o irrepresentável se torna dominante, a arte tende ao testemunho. A arte passa a ter o objetivo principal de dar testemunho do irrepresentável que existe na doença, em outros termos, da catástrofe imemorial que habita os espaços (Recife, Zona da Mata) e comanda os destinos. Configura-se, portanto, em Cláudio Assis, uma espécie de neonaturalismo, em que se conjugam a necessidade de mostrar, a plasmaticidade do retorno ao inorgânico, o vocabulário da doença e o recurso à palavra especulativa. |
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Bibliografia | ASSIS, Cláudio. Entrevista concedida a Cléber Eduardo. Revista Contracampo. Disponível em: . Acesso em: 17 ago 2015c. |