ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | "Temos !!! " - A autoficção do cinema na Baixada Fluminense. |
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Autor | Liliane Leroux |
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Resumo Expandido | “Não (...) cometeria a leviandade de afirmar que temos uma vocação inequívoca para o cinema. Mas uma coisa é certa: a sétima arte sempre nos cortejou e sempre fomos enamorados dela.” (Rogério Torres, s/a). Vizinha da “cidade maravilhosa”, cartão postal do país, a Baixada Fluminense – periferia proletária, ocupada por migrantes nordestinos atraídos pelas oportunidades de trabalho no emergente sudeste brasileiro dos anos 1950 e 1960-, tem sido estigmatizada pela mídia como território de violência, no pior estilo faroeste e mondo cane. É a partir de uma de suas inúmeras histórias de “pistolagem” que este território entra no cinema nacional em 1954 com o filme “Carnaval em Caxias”, de Paulo Wanderley. Uma chanchada da Atlântida que tem Tenório Cavalcanti, o lendário político conhecido como o “homem da capa preta”, como personagem principal. Em seguida, é a vez de um delegado local ser figurado em “Assalto ao Trem Pagador” ( 1962) de Roberto Farias. Voltando ao Tenório, aliás, este inspiraria ainda – por formas distintas – dois outros filmes: “O Amuleto de Ogum” de Nelson Pereira dos Santos (1970) e “O Homem da capa Preta” de Sérgio Resende (1986). Em O Amuleto de Ogum, baseado em argumento de Chico Santos (roteirista, produtor e morador da baixada), Nelson tira proveito do mito de “corpo fechado” propagado por Tenório Cavalcanti e propõe uma nova e potente concepção de cultura popular que nega a imagem do povo como vítima alienada, tão comum nos filmes anteriores do Cinema Novo. Basta lembrar que , após rodar este filme em Duque de Caxias, município da Baixada, Nelson afirma em entrevista ao Opinião (1975) que “Caxias é a capital cultural do país” exatamente por perceber ali, na efervecente mistura gerada pelo processo migratório naquele território, o centro (e não a periferia) dos encontros e das trocas culturais mais potentes. No mesmo ano de Amuleto de Ogum, a própria Baixada inicia seu movimento de autoapresentação pelo cinema com o filme “Sangue Quente em Tarde Fria” (1970), com argumento do mesmo Chico Santos. Entre 1970 e 1980, vários filmes são produzidos pelo Grupo ARCO (Arte e Comunicação), uma parceria entre de fotógrafos/pesquisadores da Baixada e o poeta Barboza Leite, também morador da região. Seus filmes, realizados em Super 8, foram exibidos em Duque de Caxias e na FUNARTE. Entre os títulos levantados estão: “Mar, Amor Amargo”, “Janela Verde”, “Caxias, uma Cidade” e a animação “Os Grilos do Capitão América”. Além da participação de Chico Santos, com o argumento e também como ator, em Amuleto de Ogum, outros moradores da Baixada também se envolvem em produções profissionais de cinema desde a década de 1970. É o caso do montador Severino Dadá, por exemplo. Estes, porém, para fazer cinema, precisavam sair da Baixada e entrar nas redes já constituídas no Rio de Janeiro. No início dos anos 2000, a possibilidade do digital (que permite a “qualquer um” fazer um filme) somada à percepção daquela região como absolutamente cinematográfica faz emergir uma nova cena na Baixada: uma juventude que responde cinematograficamente ao que vê. Do ponto de vista conceitual, a análise que apresento fará da noção de “partilha do sensível” seu principal operador. Tal enfoque teórico permite ensaiar o circuito independente de cinema da Baixada Fluminense como um modo potencial de subjetivação que interrompe significações anteriores e já desgastadas do termo “periferia”, tais quais “periferia estigma” ou mesmo a “periferia orgulho”, pela via da desidentificação e autotitulação. Para tal fim, , tomo o grito de guerra “Temos!”, entoado pelos cineastas da Baixada a cada nova conquista, como o fio narrativo deste trabalho por expressar tão bem um movimento que vai se autoficcionando, no sentido de se autofabricar, ao mesmo tempo em que descobre, anuncia e atualiza sua reivindicação na partilha do sensível. |
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Bibliografia | ARENDT, H. 1999. A vida do espírito - Volume 1 - Pensar. Lisboa, Instituto Piaget, 242 p. |