ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Tensões/torções entre corpo, palavra e imagem em obras contemporâneas |
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Autor | Gabriela Semensato Ferreira |
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Resumo Expandido | Há obras que parecem clamar pela atenção de um espectador ou leitor atento, numa espécie de sedução por meio do olhar. Trata-se, nesses casos, de um desejar ver e ser visto, de uma leitura que é ao mesmo tempo investigação, ou voyeurismo. Provoca-se essa atenção tanto pelo que se dá a ver, como pelas lacunas deixadas pelo corpo, seja este o corpo do texto, da palavra, o corpo em performance, ou corpos estranhos, que não parecem pertencer ali, como o que ocupa a posição de autor. Em obras como "Elena" (2012), da diretora e roteirista Petra Costa, essa relação entre o que se vê e o que se diz é colocada em tensão. O desejo de descoberta pode ser envolto em certo temor de descobrir, de retirar o véu que protege nossa imaginação do que é a morte. É justamente a morte, porém, que, para Blanchot (1997), dá vida à palavra. No referido filme, Elena, a irmã de Petra, entra e sai de cena, mas, em certo sentido, não se pode dizer que alguma vez esteja realmente presente. Isso porque, talvez, o real, aquele dito “pré-existente”, só entra em jogo, nessa obra, como uma referência. As imagens de Elena são misturadas a sua voz em gravações e filmagens de um tempo passado, mas também se confundem com impressões suas justapostas ao presente da narrativa fílmica. O borrar dos limites de sua presença/ausência, no entanto, só ocorre, potencialmente, com a interação de Petra, que a todo momento conversa com a irmã, mas nunca obtém respostas. Pelo modo como é construído, esse monólogo em off é mais próximo de um discurso poético do que de uma narração. A fala de Petra surge quando sua face está encoberta ou fora de campo. Ela não narra, no sentido de discorrer sobre uma sequência de eventos, mas conversa com a irmã, num diálogo que supõe um lugar de fala que, entretanto, parece vazio. Elena só fala a partir de um passado que se faz de alguma forma presente na obra. Assim, pode-se pensar no surgimento de tensões, a partir dessas relações entre palavra, corpo e imagem, entre ausências e presenças, ou (in)visibilidades que são colocadas em jogo nessa obra. Onde, por um lado, parecem haver duplicidades, percebem-se, por outro, triangulações ou mesmo multiplicações. Duplicidade, ambiguidade, fingimento, talvez, em "Elena", mas também em outras obras, já que a arte pós-modernista (apesar da polêmica nomenclatura), consegue por vezes fazer dialogar o “real” e o ficcional, ou ver a “verdade” de uma invenção, sem perder de vista as potências do falso. Essas duplicidades podem começar, ainda, pelos nomes dos personagens, mas também da expectativa de aproximação entre esses nomes e o do autor ou autora, em obras com traços autobiográficos, por exemplo, ou documentários. Esse é o caso de "Jogo Duplo" (2007), de Sophie Calle, em colaboração com Paul Auster, uma publicação que não se pode dizer nem apenas literária, nem apenas visual. Trata-se da criação de uma personagem baseada na artista, e da criação de obras baseadas na personagem. É um ir e vir composto por experimentos com comida, fotografia, strip-tease e até um cemitério. Um ir e vir, ou aqui e lá, parecido com o "fort-da", ou jogo de carretel observado por Freud (1920). Nesse sentido, os jogos duplos de que se fala, nesses casos, não se contentam com a escolha entre isso e aquilo, entre ficção e verdade, ou ficção e realidade, mas operam no entrelugar. Não são opostos. Encontram-se, possivelmente, em uma cadeia, uma sequência que incita o questionamento, mais uma vez, do que constitui uma representação. Sua relação implica tensão, e mesmo torção, como o percurso da linha em torno do carretel. Esses duplos, portanto, são triplos, múltiplos. Da artista Sophie à personagem Maria, à personagem de Jogo Duplo, “incorporada”, ou encarnada, até certo ponto, por Sophie. Onde se veem duas mulheres, revelam-se muitas, como em uma das cenas finais de Elena em que elas flutuam na água como Ofélia, de Shakespeare. |
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Bibliografia | AUSTER, Paul. Leviathan. New York: Penguin Books, 1993. |