ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | A desconstrução do oásis de paz português na perspectiva do forasteiro |
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Autor | Marcio Aurelio Recchia |
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Resumo Expandido | A primeira metade do século XX testemunhou duas das maiores guerras jamais vistas, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). É no período de entreguerras que algumas nações europeias se tornam ditaduras de extrema direita de cunho fascista, destacando Alemanha, Itália, Portugal e Espanha. É justamente a ascensão de líderes totalitários como Adolf Hitler e Benito Mussolini que ajudará a desencadear a segunda grande guerra. Em abril de 1945, as mortes de Mussolini e Hitler encerram os regimes totalitários na Itália e na Alemanha, porém, na Península Ibérica, governos análogos liderados pelos ditadores Francisco Franco e António Salazar perdurarão nas décadas sucessivas. O caso investigado em minha pesquisa é o da ditadura portuguesa. Uma vez definida esta premissa, pretendo traçar paralelos e contrastes entre cinema e literatura. Para tanto, tenho como objetos de estudo o filme Fantasia Lusitana (2010) do diretor João Canijo e o romance O ano da morte de Ricardo Reis (1984) do escritor José Saramago. Ambas as obras revisitam Portugal sob o jugo da ditadura salazarista (1932-1968) durante o Estado Novo português (1926-1974), que terminará apenas com a Revolução dos Cravos, computando um período de 48 anos, a mais longeva ditadura totalitária europeia no século XX. Por se tratar de um período muito extenso, estabeleci um recorte temporal proporcionado pelo romance e pelo filme, isto é, o decênio 1935-1945, iniciando com o retorno da personagem saramaguiana Ricardo Reis a Portugal em dezembro de 1935 e finalizando com o término da Segunda Guerra Mundial em setembro de 1945, um dos eventos explorados por Canijo em seu filme. É pertinente lembrar que após a queda do regime ditatorial, tanto a literatura quanto o cinema passaram a revisitar esse longo período de silêncio imposto pela censura. Levando-se em conta as duas produções já mencionadas, o romance O ano da morte de Ricardo Reis tem seu enredo desenvolvido entre dezembro de 1935 e agosto de 1936, momento em que os movimentos nacionalistas e fascistas crescem na Alemanha, Itália e Portugal, e que a guerra civil espanhola está para eclodir. É um cenário turbulento em toda Europa, onde a tensão e a incerteza pairam no ar. Portugal, diante do discurso paternalista de Salazar, procura controlar as informações veiculadas pelos meios de comunicação, utilizando-se para isso do jornal, do rádio e do cinema panfletários. A personagem Ricardo Reis, que procura compreender seu país através dos jornais, foi criada a partir do heterônimo de Fernando Pessoa, cuja morte em novembro de 1935 serve de mote para que a mesma retorne a Portugal depois de uma ausência de dezesseis anos. É precisamente este hiato de mais de três lustros que faz com que Ricardo Reis, ao retornar ao seu país natal, o olhe com distanciamento, fato que, com efeito, o aproxima do olhar do estrangeiro. Já o filme Fantasia Lusitana exibe cenas oriundas de arquivos oficiais usadas para fortalecer o regime, bem como fotografias de época e discursos de Salazar. Entretanto, embora em sua origem este material tivesse a intenção de exibir Portugal como um verdadeiro “oásis de paz”, Canijo adota uma estratégia de desconstrução dessa aparência ao sobrepor a essas imagens alguns registros de depoimentos de estrangeiros que passaram por Lisboa, desfazendo a imagem paradisíaca. Esta técnica acaba por mostrar que Portugal é um país pobre e vulnerável, isto é, bem distinto do apregoado pelo regime, pois estes estrangeiros não estavam influenciados pelo poder do discurso salazarista, dado que se encontravam em Lisboa temporariamente, aguardando o embarque rumo à América, fugitivos da violência da guerra. Dentre os vários estrangeiros, Fantasia Lusitana recupera os relatos da dramaturga alemã Erika Mann, filha do escritor Thomas Mann; do escritor judeu-alemão Alfred Döblin e do escritor e piloto francês Antoine de Saint-Exupéry, cujas narrativas divergem bastante da imagem veiculada por Salazar. |
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Bibliografia | CARNEIRO, M. L. T.; CROCI, F. Tempos de Fascismos – Ideologia – Intolerância – Imaginário. São Paulo: Edusp, 2010. |