ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | A encenação performativa em Ela Volta na Quinta |
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Autor | Susana Amaral |
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Resumo Expandido | No universo que compõe a filmografia do cineasta mineiro André Novais, se de um lado há o realismo urbano, tão explorado pela cinematografia brasileira, de outro, e é deste lado que André localiza suas imagens, há a delicadeza dos universos íntimos e sensíveis que apostam na procura da epifania através de histórias inspiradas no cotidiano. No filme Ela volta na quinta, primeiro longa metragem do realizador, a mãe, o pai, o irmão, a namorada do irmão, os amigos do irmão, assim como ele próprio e a namorada Élida Slipe compõem o quadro de personagens do filme. Diante do desafio de filmar sua própria rede de afetos, Novais volta-se para a vida em suas miudezas, em suas repetições. Atento à complexidade das relações humanas em toda a sua fragilidade e, mais importante, em toda a sua banalidade, o filme se dá pela emergência do extraordinário no ordinário do cotidiano. Apesar do forte índice de realidade que carrega, não restam dúvidas quanto à ficcionalidade da narrativa, muito embora seja justamente esta relação de ambiguidade que o filme estabelece com o espectador o seu principal vetor de força. Em Ela volta na quinta, a dramaturgia se constrói pelas vias da memória, da intimidade e da dilatação do tempo, produzindo camadas de realidade e presença (GUMBRECHT, 2010) que impregnam a imagem do próprio estofo material da vida cotidiana, biográfica. Nesta construção, Novais opta em mostrar seus personagens em rituais do dia a dia, pontuando o passar das horas a partir da repetição de eventos rotineiros como deitar-se para dormir, sentar-se para comer, etc. A cotidianidade é estabelecida no âmbito da encenação a partir da execução de pequenas ações, como estender a roupa, varrer a casa, preparar o jantar – o que Richard Schechner definiu como twice-behaved behavior -, e no âmbito cinematográfico, a partir da repetição de enquadramentos e ambientes, principalmente nos planos onde vemos os personagens na cama, no quarto de dormir. Dessa maneira, o cotidiano é trabalhado a partir de sua inserção no tecido social do núcleo de uma família da periferia de Contagem, cidade do estado de Minas Gerais. Da sequência inicial onde vemos as fotografias da família, ao minimalismo narrativo e cenográfico, às modalidades de voz de cada personagem. A construção da trama narrativa preenchida do contexto histórico-geográfico da vida do próprio realizador corresponde à concretude do espaço e do tempo penosamente real, intersubjetivo e social da experiência vivida. Tanto a dramaturgia, quanto a encenação proposta pelo diretor trabalham de maneiras extremamente óticas, sem muitas intervenções da técnica cinematográfica, o que permitem ao espectador ver além da redundância cotidiana das imagens em cena, ao mesmo tempo em que privilegia os pequenos gestos e expressões dos corpos em cena. O que enxergamos de forma sensitiva é a experiência vivida, corporalmente, do tempo e do espaço familiar que dribla as imposições miméticas e representativas. Em Ela volta na quinta importa menos o caráter realista ou autêntico das imagem, e mais sua capacidade reflexiva acerca do real em sua dimensão material, social e performativa. Nesse sentido, ganha importância a escolha do realizador de filmar a si mesmo e a sua própria família como personagens de uma história fictícia, inventada, mas que vai se sustentar dramaturgicamente através de vestígios do real, evidências do vivido. O que pretende-se demonstrar a partir dessa análise é de que maneiras o desinvestimento na dicotomia real/ficção a partir da encenação em Ela volta na quinta tensiona certa reinvindicação contemporânea de realidade a partir de um regime do visível, ao mesmo tempo em que colabora para o redimensionamento do corpo em cena como principal vetor de intensidade e presença, dando forma à uma complexa relação de intimidade entre câmera e personagem e entre espectador e filme analisada aqui pela lente metodológica dos estudos da performance. |
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Bibliografia | DEL RIO, Elena. Powers of Affection: Deleuze and the Cinemas of Performance. Edinburgh, Edinburgh University Press, 1998. |