ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Por uma pedagogia das imagens com os Mbya Guarani |
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Autor | Clarisse Maria Castro de Alvarenga |
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Resumo Expandido | Pretendo relacionar três das experiências que integram a filmografia Mbya Guarani: os filmes Desterro Guarani, (2011); Duas aldeias, uma caminhada (2008) e Bicicletas de Nhanderú (2011). Todos os três são documentários realizados a partir de oficinas de vídeo ministradas dentro do contexto do projeto Vídeo nas Aldeias. Acredito que, para além de uma metodologia de ensino do cinema a povos nativos, essa experiência explicita em sua escritura uma pedagogia que questiona a maneira como a sociedade ocidental produz conhecimentos e representações. Ao tomar contato com diversas representações deles realizadas pela sociedade brasileira, os Mbya Guarani se reposicionam em relação ao olhar que a sociedade lança sobre eles historicamente e nos dias de hoje. Sugiro que esse reposicionamento seja entendido como uma pedagogia que não apenas permite aos indígenas aprender a realizar um filme, mas permite também que tanto a sociedade não-indígena quanto os indígenas alterem suas relações uns com os outros e com os mundos que eles identificam. Alguns dos filmes realizados atualmente por cineastas indígenas, para além do Vídeo nas Aldeias, expressam de forma contundente o modo como as várias etnias elaboram o contato com o mundo ocidental e se debatem reversamente diante do modo como os brancos lhes dirigem o olhar, enquadrando-os em seu imaginário. O crítico Serge Daney (2007) atribuiu aos cinemas de Jean-Luc Godard e Jean-Marie Straub uma pedagogia: “Pedagogia godardiana” e “Pedagogia straubiana”. Para Daney, o auto-didatismo da cinefilia, formada nas seções da cinemateca francesa, é também uma crença no cinema como escola, um “bom lugar” onde se vai para aprender sobre o mundo. No caso de Godard, Daney indica que dois gestos estariam na base dessa pedagogia: “reter” as imagens, “guardá-las” (DANEY, 2007, p. 112), e, em seguida, “restituí-las” ao espectador como forma de “reparação” (DANEY, 2007, p. 114), não sem antes colocá-las em perspectiva, comentá-las, criticá-las. A pedagogia straubiana estaría baseada numa “prática generalizada da disjunção” (DANEY, 2007, p. 100) que, entre outros aspectos, envolve a possibilidade de “remarcar no aparelho uma enunciação que o aparelho despossui a priori” (DANEY, 2007, p. 101), além de outras aproximações entre elementos heterogêneos como as vozes e as imagens, para citar uma delas. A exemplo daquilo que Daney observa em Godard e Straub, acredito que o cinema dos Mbya Guarani aponta para a possibilidade de uma pedagogia Mbya Guarani. Entre os procedimentos privilegiados está a explicitação das diferentes perspectivas (VIVEIROS DE CASTRO, 2002) inerente ao encontro entre mundos. Não apenas formas diferentes de olhar para a mesma imagem ou para o mesmo mundo, mas a possibilidade de uma imagem expressar a diferença entre os mundos na mesma medida em que os relaciona, o que torna-se evidente nos equívocos que surgem a partir dessa aproximação. Por isso, olhar para esses filmes nos permite elaborar em outros termos a relação entre os povos e deles com os mundos por meio da imagem. |
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Bibliografia | BOSI, Alfredo. Fenomenologia do olhar. In: ADAUTO, Novaes (org.). O olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 65-87. |