ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Corpos em transe: estudo sobre a lógica do fluido de Jean Epstein |
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Autor | Cristian Borges |
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Resumo Expandido | Jean Epstein, em Bonjour Cinéma, livro de 1921, já conjugava o sujeito do olhar e o objeto fugidio desse mesmo olhar ao elogiar a “dança da paisagem”, que ele considera eminentemente fotogênica, capturada através da janela de um trem, navio, avião ou automóvel em alta velocidade. Mas é somente num texto escrito nos anos 1940 e publicado postumamente, em 1975, que Epstein chegará a uma formulação perfeita para esse caráter intrinsecamente movente dos filmes: a “lógica do fluido”, contrária a toda uma tradição filosófica que teria, desde os gregos, privilegiado os ideais imutáveis (o elemento sólido, a dureza, a força, a constância) em detrimento da fragilidade, da suavidade, da instabilidade e da inconstância. Ele prossegue fazendo o elogio do cinema como a arte, a técnica e o espetáculo que teria, ainda mais que o desenvolvimento industrial e dos meios de transporte, libertado o imaginário humano de seu imobilismo e, por que não dizer, de seu conservadorismo atávicos. Assim, o cinema possuiria um espaço em movimento constante, provocado por “deslocamentos mal definidos de espectros, cuja forma também é mutável, que se comportam como fluidos” (Epstein, 1975). Por outro lado, ao propor no mesmo texto uma “lógica de tempo variável”, Epstein afirma que somente o cinema consegue ralentar ou acelerar o mundo mantendo uma efetiva continuidade sensível e revelando maravilhas que o olho nu desconhece – o que explicaria a profusão, inclusive em obras audiovisuais contemporâneas, da manipulação da velocidade da imagem a fim de se atingir efeitos de frenesi ou letargia impressionantes. Étienne-Jules Marey, como parte de seu incansável trabalho com os métodos gráficos de registro do movimento, desenvolveu na fase final de sua carreira pesquisas sobre a dinâmica de fluidos, como o sangue, empenhando-se particularmente no estudo dos movimentos do ar, para o qual criaria uma espantosa máquina de fumaça (1899-1901). Trabalhando ao mesmo tempo com “imagens de fluxo e fluxo de imagens”, Marey joga com a beleza movente (que se faz e se desfaz), integrando “à própria imagem aquilo que é fluido e mutável” (Didi-Huberman, 2004). Ao articular esses dois trabalhos tão diferentes e complexos – de um lado, a noção teórica apenas esboçada por Epstein, de outro, a prática estético-científica de Marey –, tentaremos compreender como a fluidez das imagens fílmicas afeta os corpos captados pela câmera, a partir da análise pontual de trechos do curta metragem da cineasta grega Maria Kourkouta, Retorno à rua Éolo (2013). Entre cronofotografias animadas e found footage manipulado em computador, perceberemos que os corpos fantasmagóricos (no sentido de fantasmagoria, ou seja, a arte de se criar fantasmas numa sala escura com o auxílio de ilusões de óptica) do cinema, que se multiplicam, se atravessam e se espalham pelo fluxo espaço-temporal, ecoando a si próprios, respondem a uma espécie de transe provocado não por uma intervenção psíquica ou espiritual, mas puramente imagética. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques (dir.). Jean Epstein: Cinéaste, poète, philosophe. Paris: Cinémathèque Française, 1998. |