ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Figurações da justiça no “cine de la marginalidad” |
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Autor | Dinaldo Sepúlveda Almendra Filho |
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Resumo Expandido | Este texto analisa as figurações da justiça no cinema dos anos 1990 e 2000, relacionando a ficção produzida pelo “cine de la marginalidad” (León, 2005) com o conceito de “justiça como lealdade ampliada” no discurso político de Richard Rorty (2005). Observa, assim, as oscilações dos sensos do justo nas ações e na moralidade de personagens da “estética do desencanto” ou da “dramaturgia do desamparo”, associadas aos espaços urbanos das cidades latino-americanas. Na virada do século, o cinema político deslocou a sua atenção das lutas nacionais para as redes globais de cidades periféricas. A ficção privilegiou a encenação dos espaços urbanos problemáticos e violentos, habitados por personagens que protagonizam histórias de marginalidade social atualizadas em um regime estético “pós-utópico”. Rodrigo D No futuro (Victor Gaviria, 1990), Pizza, Birra, Faso (Adrián Caetano e Bruno Stagnaro, 1998), Ratas, ratones e rateros (Sebastián Cordero, 1999), Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002), El oso rojo (Adrian Caetano, 2002) ou La Playa DC (Juan Andres Arango, 2012), dentre outros, desligaram-se ou colocaram em perspectiva os conceitos do discurso político moderno que embasavam os enunciados visuais do Nuevo Cine Latinoamericano (NCL): “revolução”, “povo” e “nação” (León, 2005, p. 22). Estes são conceitos cujos horizontes políticos delinearam um forte senso de justiça de obrigação moral universal, ligado à construção dos imaginários cinematográficos dos problemas sociais e culturais da América Latina. O cinema deveria ser, em um sentido heroico, porta voz do povo e de um destino coletivo mais justo. O que acontece com o conceito de justiça no discurso ficcional, quando desvinculado de obrigação moral universal? Com o esgotamento do paradigma estético e político de 1970 e após a crise de 1980 (Avellar, 1995; Ruffinelli, 2013; del Río, 2013), os filmes que tematizam as cidades em 1990 e 2000 não deixaram de evocar as heranças do NCL e do neorrealismo italiano ao mesmo tempo em que apresentaram novos matizes, rupturas e metamorfoses. Ou, então, hibridizaram-se com gêneros de ação hollywoodianos para criar, no vocabulário da comunidade interpretativa, categorias estéticas instáveis e politicamente problemáticas como “favela effect” (Mennell, 2008) ou “realismo de periferia” (Figueiredo, 2010). Merece destaque “el cine de la marginalidad” ou “realismo sucio”, que enfoca os problemas sociais e culturais “desde la realidad cotidiana y corporal de seres excluidos (…) temáticas menores de los sujetos marginales, la imposibilidad de futuro, la violencia callejera y la cotidianidad en la gran urbe” (León, 2005, p. 30). Partindo dos filmes acima mencionados, o texto analisará as figurações da justiça em uma dramaturgia da incerteza e de conflitos sem redenção, caracterizada por personagens errantes e sem destino, cujas ações e dramas cotidianos são regidos pela experiência de risco e pela flutuação dos sensos do justo. O primeiro objetivo é demonstrar quais conceitos de justiça “pós-utópicos” são tornados tangíveis e sensíveis na encenação das cidades a partir de tramas, de ações dramáticas e de escolhas que os personagens fazem diante de dilemas morais contingentes, dissociados dos ideais de “povo” ou “nação”. O segundo objetivo é relacionar o discurso ficcional com o que Rorty (2005) chamou, no discurso político, de “justiça como lealdade ampliada”: conflitos morais caracterizados pela ampliação e inclusão de pessoas nos nossos círculos de pertencimento comum por razões de justiça, ou a restrição e a exclusão de pessoas por sentimentos de lealdade. No “cine de la marginalidad”, as oscilações dos sensos do justo entre “justiça” e “lealdade” revelam-se matéria-prima da ficção urbana latino-americana: a vida de pessoas comuns, dilaceradas moral e emocionalmente por conflitos entre concepções do justo orientadas para o bem comum ou permeadas pelo individualismo, pelo ressentimento e pela vontade de vingança. |
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Bibliografia | AVELLAR, José Carlos. A ponte clandestina.Rio de Janeiro/São Paulo: Editora 34, 1995. |