ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | A emergência de uma estético-política queer em Freaks de Tod Browning. |
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Autor | Diego Paleólogo |
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Resumo Expandido | Através da chuva, da lama, da escuridão e dos relâmpagos eles avançam. Os corpos malformados, deformados, monstruosos e estranhos avançam na direção da câmera, olhando para o espectador. A comunidade marginal e grotesca de Tod Browning persegue a beleza hegemônica e normativa que, através de uma torção, torna-se também monstruosa. O estranho deseja vingança. Em ‘Os anormais’, Michel Foucault aponta para o caráter jurídico e discursivo do monstro; Paul B. Preciado, no artigo ‘Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”’, escreve que é preciso reconhecer que os corpos não são mais dóceis e que existe uma potencia política, sexopolítica, nos corpos e sexualidades não normativas. O objetivo desse trabalho é reivindicar, no contexto da atualidade, o filme Freaks (1932), de Tod Browning, para uma possível (re)leitura queer, mapeando as sexualidades interditas, estranhadas, as identidades fronteiriças e borradas, constituindo uma estético-política das imagens e dos corpos Freaks. Multidões queer como um reflexo ressexualizado de Freaks; a morte e o renascimento queer. O corpo é um mapa de forças, um campo de produção de sentido. É na lógica especular estabelecida entre corpo, imagem e reconhecimento que nos identificamos na prática milenar do Mesmo e do Outro. O devir-monstro, como deseja José Gil, é um devir abortado, paralisado, e empresta aos corpos monstruosos defasagens temporais, estéticas, políticas específicas; monstruosidades sempre foram queers – marginais, violentas, disruptivas, não-normativas. Esse conjunto heterogêneo de possibilidades retorna no presente como uma potente força política – as multidões freaks/queers não são mais dóceis nem domesticadas. É exatamente na fissura ética e estética engendrada por Browning onde podemos fazer emergir uma potencialidade político-queer que agencie as lutas e a coletividade de uma comunidade marginal, estranha, cuja única aderência possível é através de um circo de horrores, de um espetáculo de monstruosidades que não aparece no filme mas é experimentado pelo espectador. As sexualidades interditas e impedidas por causa dos corpos monstruosos são manifestas nos discursos e práticas heteronormativas do filme, balizadas por um machismo romantizado. A masculinidade hegemônica e normativa, em Freaks, encontra-se constantemente sob ameaça. A crítica de Browning, no entanto, passa despercebida por uma sociedade quebrada, instável e carente. A Grande Depressão, iniciada em 1929, produz toda sorte de monstruosidades. Em Skin Shows, J. Jack Halberstam destaca os filmes de terror como campos possíveis para se pensar gêneros e fronteiras, borrar, agenciar, amalgamar, romper, furar, costurar corpos, sexualidades e identidades. É no mesmo sentido que os editores William Hughes e Andrew Smith realizam o livro Queering the Gothic, no qual diversos autores pensam o queer em narrativas góticas; na introdução observam que, sob muitos sentidos, o gótico sempre foi queer. Resgato essa lógica e penso que Freaks, especificamente o final do filme, sempre foi queer. Freaks, enquanto uma narrativa mítica, não fala apenas de corpos deformados e uma sociedade/comunidade marginal cuja única forma de sobrevivência é a exploração capitalista de seus defeitos; Freaks fala também da perversa lógica de inclusão e exclusão, aceitação e recusa... a beleza hegemônica, normativa, se recusa radicalmente em participar de agenciamentos queers. Inscritos em um período de crise, os “anormais” de Browning realizam sua vingança: transformam a bela trapezista em um monstro emudecido. É através de uma política própria dos anormais que os monstros engendram sua vingança contra uma sociedade que os recusa sistematicamente. Freaks levanta um incômodo questionamento: qual o estatuto estético-político da imagem queer? E, em última instância, é possível revisitar e reivindicar Freaks em tempos de crise como uma narrativa que flerta com a disruptividade da potência queer? |
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Bibliografia | BOTTING, Fred. Gothic. Nova Iorque: Routledge, 1996. |