ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Everlyn e Tabu: Belas, Recatadas e do Lar |
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Autor | VINICIOS KABRAL RIBEIRO |
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Resumo Expandido | Em Madame Satã (Karim Aïnouz, 2002) João, Laurita e Tabu conversam sobre os seus desejos. O primeiro deseja montar um espetáculo, se apresentar para uma grande plateia. A segunda deseja sair da prostituição, casar e ir ao cinema semanalmente, com vestidos diferentes. Já Tabu diz que seu sonho, seu projeto de felicidade era: “comprar uma máquina Singer, de pedal, pra costurar as fardas do meu anjo de bondade, meu marido. E viver uma vida-lazer”. O desejo de Tabu é, em um primeiro olhar, simples e sem muitas exigências. Ela almeja uma relação conjugal monogâmica e um lar, para ocupar um papel sexual e de gênero bem definidos. Se para uma travesti da primeira metade do século XX existir fisicamente já era algo difícil, ela poderia sonhar? Tabu possivelmente era um tabu. Pobre, sem escolaridade, negra, travesti, puta. Ela transgredia as fronteiras sexuais e de gênero, rompendo com a virilidade associada aos homens negros. Segundo Rubin (1989) as sexualidades, assim como outros marcadores sociais da diferença, seriam determinantes no prestígio e respeitabilidade gozados no tecido social. Se imaginarmos uma pirâmide, em seu topo estariam casais heterossexuais europeus e estadunidenses brancos, com uma sexualidade branda e com fins reprodutivos. Abaixo, casais brancos sem filhos. Posteriormente, casais negros com filhos. Na base da pirâmide encontramos as sexualidades patologizadas, intergeracionais, com múltiplos parceiros, fetiches, usos de objetos e outras consideradas espúrias. Tabu estaria localizada de forma absolutamente oposta ao que ela imaginava para si. Ela habitaria a base juntamente com outros “tabus””: corpos e desejos considerados perversos e patologizados. Desejar uma máquina de costura e um “anjo de bondade”, poderia ser algo inalcançável, mas também alentador, uma forma de (r)existir. Ao nos encontrarmos com Everlyn, em O Céu Sobre os Ombros (Sérgio Borges, 2010), podemos perceber um desejo de amar e ser amada. A psicóloga e mestre em literatura, que vivencia a experiência transexual, habita margens e transita por entre-lugares (Santiago, 2000), especialmente se pensarmos em sua possível ininteligibilidade e abjeção (Butler, 1999). Everlyn, que também tem na prostituição uma forma de garantir sua existência, ao ser questionada por um aluno sobre suas necessidades afetivas, revela que as satisfazem parcialmente com os clientes. Mesmo idealizando o amor, ela é cética em relação a ele. Seus sonhos e afetos compõem seu exercício de escrita, suas epístolas endereçadas ao seu amor imaginado. O objetivo deste artigo é pensar nas possibilidades de futuros, sonhos e pequenas utopias das vidas consideradas “precárias”. De um lado o ponto de partida será com o trabalho de Lucia Nagib (2006) e suas reflexões sobre a utopia no cinema brasileiro, e interessa particularmente o que ela chama de utopia vazia, caracterizada a partir do renascimento do cinema brasileiro nos anos de 1990 e que “inclui a exploração geográfica do país, com uma nova curiosidade pelo elemento humano e sua tipicidade (ibidem, 2006, p.61) ”. O outro olhar será a partir das discussões contemporâneas sobre o futuro ou ainda um “não futuro” como propõe Lee Edelman (2014) e Muñoz (2009), ao se referir as “pessoas” queer, que deveriam explorar a potência de uma não-assimilação e não-integração da sociedade, formando outras perspectivas de vida baseada na ironia e no prazer. Ao logo do texto discutirei questões de corpo, gênero e sexualidade, tendo a companhia de Tabu e Everlyn para atravessar um território ético e político que o cinema nos apresenta. O diálogo entre as duas personagens se dará pelos desejos e projetos de felicidade. Por fim, em contraposição a um corpo feminino belo, recatado e do lar, proposto pela mídia impressa conservadora, ficaremos com a Everlyn e seu “piru” que aparece numa sessão de fotos, mas que “qualquer coisa, tira no photoshop" e a pergunta de Madame Satã para Tabu: “e o cu, já deu hoje? ”. Afinal, a vida é uma fechação. |
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Bibliografia | BUTLER, Judith. Vida precária. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar. São Carlos, Departamento e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar, 2011, n. 1, p. 13-33. |