ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | A luta do representativo e do predicativo em Lavra-dor (1968) |
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Autor | Naara Fontinele dos Santos |
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Resumo Expandido | Como uma imagem fixa ou móvel, um corpo ou um grafismo na tela, extratos de um poema ou recortes de um discurso político, torna-se matéria de representação ? Como enriquece-los de novos sentidos ? Através da análise fílmica, abordaremos alguns procedimentos estéticos e discursivos no gesto de criação de uma obra original que se constituí fundamentalmente através da operação de reciclagem/reapropriação de materiais fílmicos, fotográficos, textuais e sonoros pré-existentes. Analisaremos um único filme : Lavra-dor, realizado por Paulo Rufino, com importante colaboração de Ana Carolina, em 1968. Premiado no Festival de Belo Horizonte, na Mostra do Cine Latino-Americano (Venezuela) e no Festival de Cine Documental Latino-Americano (Argentino), o curta-metragem recebe certa visibilidade e se inscreve na história do cinema brasileiro graças ao esforço analítico de Jean-Claude Bernardet em Cineastas e Imagens do povo (1985). Em Lavra-dor, os jovens cineastas apostam na potencialização do olhar e da escuta de seus espectadores, no questionamento da premissa indicial do cinema documentário, no jogo de sobreposição de vozes e de sentidos, como elementos centrais de invenção de uma nova forma fílmica. Um “ensaio-poema” que se escreve, segundo Paulo Rufino, “por blocos significantes, cuja ordem não é necessária ao sentido ou à fruição que pretende oferecer. Poema em fragmentos, o assunto de Lavra Dor não é seu tema, mas a linguagem com que o recolhe. Ou acolhe.”. Um “ensaio-poema” crítico, que associa dialeticamente trechos de poemas de Mário Chamie no campo visual e sonoro, com discursos políticos, depoimentos (verdadeiros ou inventados para o filme), arquivos fílmicos e fotográficos e performances diante da câmera; a piedade aos discursos dos lavradores se contamina por apropriações textuais e sonoras diversas. Um “ensaio-poema” cujo assunto, o que o filme dá a ver e a ouvir, faz referencia às promessas de reforma agrária até meados dos anos 60 e ao desfalecimento provocado pelo golpe militar de 1964 que asfixia os sindicatos rurais brasileiros. Assim, um “ensaio-poema” de cunho político, no qual a política ressurge tanto da proposta temática quanto do gesto de construção fílmica. O ímpeto de intervenção social convive com as experimentações de “montagem intelectual”, “montagem vertical” e “montagem à intervalos”, de forma que o tratamento visual e sonoro de Lavra-dor mostra uma aproximação significativa com a rica tradição vanguardista do documentário experimental. A estética da colagem e da reciclagem de materiais dos anos 20 se reinventa sob a égide de um ensaísmo muito peculiar para a época e para o contexto brasileiro - como demonstrou Jean-Claude Bernardet em sua análise -, mas em plena correspondência formal com o cinema político e experimental contemporâneos à realização do filme (a integração gráfica de letreiros, tão presentes em Vertov, Jean-Luc Godard e em La hora de los Hornos de Fernando Solanas e Octavio Getino, por exemplo). Em nossa análise, atentamos para a maneira como os sentidos implicados não depende somente das relações formais entre os planos, mas também da natureza e textura da imagem. Através de uma metodologia que aposta na força de deslocamento de iniciativas estéticas e operações formais, buscamos identificar e compreender as diferentes soluções adotadas por Paulo Rufino e Ana Carolina para manifestar uma forma de intervenção social-poética na qual a imagem cinematográfica é o lugar de luta do representativo e do predicativo, daquilo que ela dá a ver e daquilo que tentam fazê-la dizer ou pensar. |
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Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. |