ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Cemitério do Esplendor: o despertar para a mediunidade pela partilha |
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Autor | Luciano Viegas da Silveira |
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Resumo Expandido | Que o comum seja compreendido sob a chave do múltiplo e da diferença, portanto que não se reduza ao como-um, implica uma cumplicidade entre heterogêneos singulares. Jean-Luc Nancy demarca essa passagem como a do nomos basileus de Píndaro – lei soberana, território, delimitação, fechamento - ao cosmos basileus – contágio, não-inclusão sistêmica, margeação, distribuição inacabada. Trata-se de uma dinâmica que é a lei do mundo, aquela de sua criação ininterrupta, errância absoluta que consiste em “uma tensão infinita em direção ao próprio mundo” (NANCY, 2016). Não conceber o mundo como totalidade, reconhecer que ele se desdobra em outros tantos mundos por contágio, o que o funda é a partilha. “Por partilha entenda-se a exposição de cada existente singular diante da singularidade dos outros: existir é ser exposto, sair da sua simples identidade a si e de sua pura posição” (GUIMARÃES, 2015). Segundo Nancy não há nada como uma substância própria do ser, senão sua condição de abertura e exposição; existir é necessariamente coexistir, ser-em-comum. Para passarmos da discussão ontológica às especificidades da forma fílmica, nos indica César Guimarães (2015), seria necessário reconhecer, ao lado de Marie-José Mondzain, que a imagem ela mesma é destituída de estatuto ontológico, se caracteriza tão somente como aparição fugaz. Esta especificidade, sua tendência a desaparecer, possibilita à imagem colocar em relação os sujeitos do olhar aos quais se destina sem lhes impor uma clausura subjetivante do tipo fusional (MONDZAIN, 2009). Operadora do heterogêneo, a imagem pode vir a constituir o ser-com, ou seja, a partir de sua função mediadora ela produz o comum. Em entrevista recente Weeresethakul especula se Cemitério do Esplendor seria capaz de ao se endereçar ao espectador, fazê-lo apreciar um outro fluir do tempo, mais próximo do sono – notadamente um dos temas do filme. Desde Eternamente sua (2002) o interessa uma economia dos gestos lentos e do tempo distendido, que retorna em Cemitério do Esplendor (2015), modulando uma tensão entre o visível e o invisível mediada pela palavra. Marie-José Mondzain destacava em Mal dos trópicos (2004) que a questão da perseguição, muito distante da tradição ocidental, se apresentava como uma iniciação xamânica, por fim realizada na metamorfose – o soldado deseja tornar-se tigre e fazer parte do seu mundo – sendo a metamorfose uma experiência limítrofe fusional que “transgride toda susbstanciação do sujeito” (MONDZAIN, 2010). De modo distinto, Cemitério do Esplendor apresenta como uma caminhada iniciática o despertar para a mediunidade – Jenjira é conduzida pela médium Itt a reconhecer um antigo palácio milenar que não mais existe fisicamente. Ocorre que Jenjira, neste expor-se à partilha com Itt de uma experiência sensível, descobre em si mesma certa capacidade mediúnica que lhe era desconhecida. Se ao início da caminhada o olhar de Jenjira não alcançava o mundo invisível que a medium insistia em descrever com detalhes, ao cabo do percurso seu olhar já não é o mesmo de antes, tampouco coincide com o da medium. Se o seu corpo por ventura encerrava uma identidade, ela se descentra e abre espaço para que outro mundo venha fazer margem com o que até então concebia. Nossa hipótese é que Cemitério do Esplendor apresenta o despertar para a mediunidade sob o emblema da partilha e, igualmente, a espiritualidade pela invenção do comum. |
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Bibliografia | GUIMARÃES, César. “O que é uma comunidade de cinema?”. In: Revista Eco Pós, vol. 18, n.1, 2015, pp. 44-56. |