ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | A catástrofe e o "tempo do depois" em Béla Tarr |
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Autor | Daniel Soares Abib |
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Resumo Expandido | Para Déborah Danowski e Viveiros de Castro a catástrofe já está dada. Pane generalizada dos sistemas ambientais, econômicos, sociais. A questão não é, portanto, como evitá-la, mas o que fazer dela, ou melhor, como habitá-la. Essa catástrofe se desenrola no Antropoceno, a época geológica do homem. Como espécie, atingimos um nível de modificação do ambiente que se tornou irreversível e que deixará marcas suficientemente duradouras para figurar nessa escala do tempo geológico, dos milhões e dos bilhões de anos: muito pouco humana. E nessa mudança de natureza do homem, de espécie para força, muda também a natureza do tempo que habitamos. Confrontada a possibilidade da catástrofe, inapreensível e ininteligível, desmorona a possibilidade de um futuro, ou, sequer, de se pensar um futuro. Assistimos ao destrilhamento do tempo, à uma “instabilidade metatemporal”: “Essa instabilidade metatemporal se conjuga com sua súbita insuficiência de mundo gerando em todos nós algo como a experiência de uma decomposição do tempo (fim) e do espaço (mundo) (...)” (DANOWSKI E VIVEIROS DE CASTRO, pp. 19-20). É também o momento de transição de um poder soberano para um poder biopolítico, aquele cuja instauração se exerce pela transformação da "bíos", ou seja, a forma de vida própria de um indivíduo ou de um grupo, em “zoé”, potência biológica pura (AGAMBEM, 2010). Ou, como coloca Peter Pál Pelbart, a transformação da vida em “vida besta”: “tal rebaixamento global da existência, essa depreciação da vida, sua redução à vida nua, à sobrevida, estágio último do niilismo contemporâneo” (PELBART, p. 29). Como tornar visível essa catástrofe “invisível” e torna-la mais apreensível? Não é através da representação (mimética), que pretendemos analisar a questão. Não buscamos histórias sobre a catástrofe, mas uma certa “linguagem” da catástrofe, que nos parece estar articulada em um certo cinema contemporâneo, a uma determinada forma narrativa e um certo uso do tempo. Uma busca que poderíamos resumir com o “captar as forças” deleuziano (DELEUZE, 2012), ou com a fórmula de Paul Klee: “não apresentar o visível, mas tornar visível”. Jacques Rancière divide de Béla Tarr em duas fases: a da juventude e a da maturidade. E resume o seu cinema na frase de um personagem de um de seus filmes: “nosso tempo passou”. Filmes cada vez mais negros, que passam de uma altivez de juventude, com câmeras agitadas e próximas aos personagens em combate, para um formalismo cada vez mais distante e frio. Porém, coloca Rancière: “Não há, na sua obra, um tempo dos filmes sociais e um tempo das obras metafísicas e formalistas. (...) Do primeiro ao último filme, é sempre a história de uma promessa falhada” (p. 11). A promessa da emancipação do homem pelo homem que se esfacela e revela um horizonte cada vez mais esmagador e impossível. Personagens destituídos de sua “bíos” e transformados em “zoé”. Parece haver em Tarr o crescente uso de uma narrativa e de uma temporalidade que espelham, ou condensam, esse horizonte da catástrofe em formas sensíveis. Se revela um tempo onde as perspectivas possíveis se esgotam e os movimentos parecem não levar a lugar algum; onde mais nos resta, se não o fim. É o tempo que Rancière vai denominar como o “tempo do depois”. O que fazer depois da catástrofe? Como habitar esse tempo do depois? Como resistir ou (existir) a esse aniquilamento do tempo e à inversão das utopias em apocalipses? A reposta de Béla Tarr parece ser como Rancière define: “O tempo do depois não é o da razão reencontrada nem o do desastre esperado. É o tempo do depois das histórias, o tempo em que o interesse recai diretamente sobre a malha sensível na qual elas talham os seus caminhos entre um fim projetado e um fim advindo. Não é o tempo em que se fazem belas frases ou bonitos planos para compensar o vazio de toda a espera. É o tempo em que o interesse recai sobre a própria expectativa” (RANCIÈRE, p. 96). |
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Bibliografia | DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Há mundo por vir?: Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2014 |