ISBN: 978-85-63552-21-1
Título | Na terra prometida, o entendimento era apenas uma promessa |
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Autor | Ilana Feldman |
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Resumo Expandido | Em janeiro de 2015, em função de minha pesquisa de pós-doutorado sobre a obra autobiográfica de David Perlov, cineasta brasileiro-israelense, passo um mês na cidade de Tel Aviv, em Israel. Vou com a família, meus pais e minha irmã, e alugamos um apartamento. Na tarde da chegada, uma tempestade de chuva, vento e areia, impede que saiamos de casa por alguns dias. Confinados no apartamento, entre discussões de família, acompanhamos pela televisão as imagens dos últimos acontecimentos. Mas não falamos hebraico. Perplexos, diante de imagens da tempestade que paralisa o país, ficamos sabendo de um atentado em Paris (Charlie Hebdo), por onde acabamos de passar, desde o Brasil, a caminho do oriente. Não entendemos. Tudo naquela situação se torna opaco: da tela da televisão à paisagem da janela que nada revela. Nesse contexto, retomo as imagens do filme “Diário” (1973-1983), de David Perlov, em que o documentarista filma por dez anos o cotidiano de sua família e da cidade de Tel Aviv, através das janelas de seu apartamento, e também “Lá” (2006), em que a cineasta belga Chantal Akerman vai a Tel Aviv fazer um documentário sobre o país, mas mal consegue sair de casa e abrir as janelas. A viagem toma seu curso e a investigação dos filmes corre em paralelo a outras investigações, mais pessoais. Minha mãe quer encontrar em Israel a pequena parte da família que sobreviveu à Segunda Guerra, da qual não temos notícias desde uma última carta escrita em iídiche, enviada por seu tio 41 anos antes. Mas nós também não falamos iídiche. Em meio a tantas possibilidades narrativas, o fracasso está por todo lugar. Na terra prometida, o entendimento era apenas uma promessa. Filiando-se ao gênero da “palestra performática”, o qual visa aproximar a pesquisa acadêmica da performance, por meio da inscrição no discurso de uma marca autobiográfica, a comunicação proposta pretende refletir sobre tudo aquilo que prepara a apresentação de uma pesquisa em andamento, no sentido de um arquivo formado por materiais diversos. Mas também pretende se relacionar com o fracasso dessa pesquisa, com a possibilidade de que ela venha a não acontecer, ou de que esse processo de pesquisa acabe se tornando o próprio resultado. O que distingue essa apresentação de outros tipos de palestra acadêmica é seu aspecto performático, relacionado à diluição das fronteiras entre vida e arte, documento e criação. Por isso, uma pesquisa em torno das relações entre o privado e o político no cinema autobiográfico não poderia deixar de explorar as diferentes possibilidades de investigação acadêmica e transmissão da experiência. Para tanto, o trabalho com os documentos (fragmentos de filmes, fotografias, áudios, cartas etc.) que conformam o arquivo pessoal do pesquisador se torna fundamental e define as experiências. Aqui, o grande desafio é criar um dispositivo de exibição e partilha desse arquivo através da criação de uma “cena”, a qual guiará a reflexão sobre as condições atuais do trabalho crítico e sobre os sintomas culturais de nossa época. Em tensão e em diálogo com a tendência contemporânea a se expor, numa crescente espetacularização da intimidade, a palestra performática encara esse dilema. Entre o desejo e a impossibilidade de comunicar uma experiência, que está sempre em fuga, inclusive para quem a vive, a comunicação visa a exploração de diferentes possibilidades de transmissão do saber acadêmico, indissociável da vivência do pesquisador, mesmo que esse saber seja marcado pela opacidade, pelo não entendimento e pelo fracasso, na fronteira sempre delicada e problemática entre o singular e o coletivo, o pessoal e o político. |
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Bibliografia | ARFUCH, L. O espaço biográfico. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010. |