ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Sem essa Aranha e O dragão: diálogos críticos |
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Autor | Estevão de Pinho Garcia |
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Resumo Expandido | Em 1969 Sganzerla faz declarações contrárias aos filmes do Cinema Novo recentemente lançados, entre eles O dragão da maldade contra o santo guerreiro. No ano seguinte, funda a Belair e com Sem essa Aranha dialoga criticamente com o filme de Glauber. Objetivamos analisar determinados tópicos presentes neste diálogo. Em O dragão na unidade espaço-temporal do plano-sequência se entrelaçam presente e passado. A volta do cangaço representado pela presença de Coirana e o retorno de uma religiosidade arcaica encarnada na figura da Santa são arquétipos de um mundo dissolvido que agora ressurge no meio de uma modernidade que se impõe. A tensão entre passado e presente revela a feição de cada parte. O primeiro, representado pelos beatos de Coirana, é uma força bruta, viva e dinâmica. As danças, as cantorias, o gestual e a movimentação corporal do povo em conjunto é sentido como algo genuíno e potente. Ao passo que os elementos contemporâneos representados por caminhões, postos de gasolina, pensões e lanchonetes de beira de estrada são, em sua essência, decadentes. Aqui a modernidade é um dado inevitável que nem chega a configurar-se como um inimigo devido a impossibilidade de reter a sua força ou de provocar a sua destruição. A certeza de sua chegada é trágica, nada a impedirá de cumprir seu destino, e melancólica, porque pressupõe a superação de um mundo que logo se tornará nostálgico. Em Sem essa Aranha a modernidade é algo já instalado. Ela já chegou. Não há a triste espera de sua vinda ou a nostalgia antecipada de um mundo que com ela vai acabar. Há sim a constatação de uma modernidade desastrada, precária, desnutrida, “bárbara e nossa”. Tal diferença entre O dragão e Sem essa Aranha não se estabelece simplesmente porque o primeiro é um filme rural e o segundo urbano. O fato do filme de Glauber ser ambientado em uma pequena cidade do sertão baiano o ajuda a desenvolver suas ideias sobre a expansão da modernidade e com ela da cultura de massa em lugares afastados onde ainda resistiria uma cultura popular a princípio não mais existente nos grandes centros urbanos. O embate implícito seria então entre cultura de massa e cultura popular. Glauber tem sérias ressalvas em relação a primeira e é um árduo defensor da segunda. Em Sem essa Aranha, no entanto, não parece haver uma distinção tão nítida entre cultura de massa e cultura popular. Moreira da Silva e Luís Gonzaga, apesar de estarem inseridos na indústria do disco são vistos como representantes de uma cultura popular tão genuína quanto a música e a dança dos beatos. Os dois músicos aparecem em Sem essa Aranha encarnando as suas próprias personas artísticas, conhecidas pelos brasileiros pelo disco, pela rádio e pela televisão. Ambos surgem fazendo a sua arte, o sambista canta trechos de suas diversas canções com a movimentação corporal que lhe é característica e o rei do baião toca sanfona e canta suas músicas mais conhecidas. Os dois artistas não se confundem com os demais personagens, eles entram nos planos-sequência e fazem a sua performance. Se nos planos-sequência de O dragão há a coexistência conflitante entre passado e presente, nos de Sem essa Aranha somente existe o presente. No filme da Belair, os planos-sequência apresentam uma duração maior do que os do filme de Glauber e cada um é um universo autônomo com suas próprias regras. O seu mundo ficcional reside entre o momento em que se inicia e o instante do corte que o termina, ou melhor, em sua duração, não havendo nenhuma ligação entre o plano-sequência que o precede e nem com o que o sucede. Não há entre os planos um princípio de continuidade ou um crescendo dramático. Assim como os planos os personagens que neles aparecem também se perpetuam no momento presente. Esse aspecto de happening do filme, que se confunde com o seu modo de produção e com as circunstâncias de sua produção, se expande nas cenas em que há o contato direto dos atores com os populares. Analisaremos também como os dois filmes representam o "povo". |
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Bibliografia | ALONSO, Aguilar. El frenético y colorido baile del Pueblo: Glauber Rocha y Antônio das mortes in MESTMAN, Mariano; VARELA, Mirta (Orgs). Masas, pueblo, multitud en cine y televisión. Buenos Aires: Eudeba, 2013. |