ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Experimentações com o som na videoarte brasileira nos anos 1970 |
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Autor | CLOTILDE BORGES GUIMARÃRS |
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Resumo Expandido | Não nos parece que havia algum interesse especial em pesquisar a matéria sonora nos primórdios da videoarte brasileira, ou de algum contato com a área da música eletroacústica no Brasil nesta época. No entanto, a propriedade intrínseca ao vídeo de ser sonoro, fez com que o experimentalismo das primeiras obras de videoarte brasileiras usasse, vez por outra, o elemento sonoro de forma inusitada. Fato que demonstra a necessidade de uma atenção dos estudos de som sobre esta área da arte contemporânea brasileira. Mesmo assim, é necessário abrir um campo de discussão sobre a forma da escuta desses sons e de como reagimos a eles. Seth Kim-Cohen, chama a atenção para um enfoque no discurso, nos significados históricos, sociais, políticos e nas convenções implicadas na escuta, enfim, a tudo que não está restrito ao sônico. Sua proposta para a produção crítica é encontrar um sentido que está com o som e não somente no som, fazendo as perguntas: “o que, quando, onde e por que”, tentando estabelecer relações com os precedentes históricos, os materiais utilizados, os locais escolhidos, e a ideologia. Michel Chion (2011) descreve três tipos de atitudes de escuta: a escuta causal, a escuta semântica, e a escuta reduzida, na qual nos atemos às qualidades e formas do som, independente de sua causa e de seu sentido. Roland Barthes (1982) identifica mais uma atitude de escuta, a “escuta pânico”. Nela, estamos disponíveis a uma escuta polissêmica, a sentir o som antes de perceber algum significado. A escuta reduzida promovida pelo vídeo The trip (1974, José Roberto Aguilar) se dá pela própria característica acústica da microfonia, um ruído por sua natureza processado, eletrônico, cuja fonte produtora não seria um elemento da natureza por nós reconhecido. A variação de intensidade e altura (qualidade do som que permite identificar sons graves dos agudos) da microfonia, na articulação com a imagem de uma mão que explora o ambiente do apartamento, por meio do tato, produz uma sensação de estranhamento, como se aquela exploração se desse num ambiente totalmente desconhecido, feito por um ser que estaria ali pela primeira vez, ativando a memória relacionada a filmes de ficção científica, ou na verdade se refere à descoberta das ferramentas da linguagem eletrônica. Já no caso do vídeo Telefone sem fio (1976, Letícia Parente), somos colocados em “estado de pânico” na relação com a obra. O sistema de deslocamentos nos trabalhos de Letícia Parente provoca questões: por que adultos estão brincando de telefone sem fio? As palavras escolhidas têm alguma importância? Muito do que se produziu de videoarte brasileira neste período se referenciou na linguagem televisiva da época. A televisão no Brasil era um fator de integração nacional, que era fortemente usada pelo governo militar ditatorial como forma de dominação e controle. Fazer videoarte nesta época era também uma atitude de resistência. Para Nicolas Bourriaud, a Arte Contemporânea, mais do que a afirmação de um espaço simbólico e privado, se tornou um território para pensar as interações humanas dentro de um contexto social, colocando em foco a relação intersubjetiva que se estabelece entre o artista, a obra e o visitante, criando um intercâmbio humano e político de discussão, e relações entre os indivíduos e os grupos, entre o artista e o mundo. O ato de um adulto cochichar no ouvido do outro acaba se tornando uma atitude cheia de erotismo, provocando a liberdade e o riso da atitude carnavalesca, em oposição ao discurso televisivo, mostrando uma liberdade de expressão impensável para a televisão da época. Ao ativarmos a “escuta pânico”, nos abrimos para várias possibilidades. O sentido das palavras escolhidas já não tem importância. A brincadeira com o som nos mostra um interessante uso do ato da fala: a sonoridade da língua. Telefone sem fio é uma brincadeira em que o ruído se torna comunicacional (WISNIK, 1989), som que desorganiza, que bloqueia o canal, desloca o código. |
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Bibliografia | BARTHES, Roland. A escuta. In: O óbvio e o obtuso, ensaios críticos III. Rio de Janeiro: ed. Nova Fronteira, 1982. |