ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | O fora-de-campo na formulação crítica de Der siebente Kontinent |
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Autor | Thiago Henrique Ramari |
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Resumo Expandido | Esta proposta de comunicação analisa o uso e a função do espaço fora-de-campo na elaboração crítica do longa-metragem Der siebente Kontinent (1989), do cineasta austríaco Michael Haneke (1942-). A relevância deste estudo se concentra no fato de que o recurso não é utilizado apenas como parte integrante do vínculo estabelecido imaginariamente entre o que é mostrado e o que não é mostrado, mas como centro estratégico de um discurso reflexivo sobre a alienação que caracteriza a classe média europeia contemporânea. Como metodologias, o trabalho se ancora na análise fílmica, entendida como a aplicação de teorias e disciplinas ao objeto selecionado (AUMONT; MARIE, 2004), com a contribuição de leituras realizadas por outros estudiosos, a exemplo de Seeβlen (2014), Sharrett (2010) e Wheatley (2009), em revisões bibliográficas. Em Der siebente Kontinent, uma família vive uma rotina considerada comum, até que decide pôr fim em tudo, por meio de um suicídio coletivo – no caso, do pai Georg (interpretado por Dieter Berner), da mãe Anna (Birgit Doll) e da filha Eva (Leni Tanzer). A explicação para o ato é oferecida pela forma do filme e não pelas ações e pelos diálogos diegéticos: ao retratar o cotidiano dos personagens, Haneke não o faz de modo convencional, com enquadramentos mais abrangentes (do plano americano em diante); ele opta por mostrar apenas pequenas partes de seus corpos em atividade (como a mão, o braço e a nuca), reservando todo o resto ao espaço fora-de-campo. Com essa fragmentação incomum, os protagonistas são revelados sob a ótica do papel que a sociedade pós-industrial lhes reserva, o de meros autômatos alienados e sem identidade, situação que os leva à morte. A escolha por inserts também evita que o espectador se ligue emocionalmente ao trio, mantendo-o numa esfera de interpretação mais racional. Wheatley (2009, p. 59, tradução nossa) salienta que “as mãos sem corpo que pegam uma escova de dentes, colorem um desenho ou amarram cadarços mostram efetivamente como tais tarefas são mecanicamente [...] desempenhadas”. Sharrett (2010, p. 212, tradução nossa), por sua vez, afirma que a trilogia da frieza, e especialmente Der siebente Kontinent, que a inaugura, revela “a decadência da sociedade burguesa a partir de uma verdadeira e profunda alienação”. Podemos também nos valer de uma citação de Seeβlen (2014, p. 326, tradução nossa), quando analisa a maneira como os espectadores se comportam diante dos retratos que Haneke faz dos seus personagens em geral, muito distintos daqueles que compõem o cinema mainstream: “a audiência não descobre primeiro o que está presente nessas figuras na tela, mas, sim, aquilo que está ausente”. Mais adiante no mesmo texto, o autor complementa: “emoções não são representadas diante de nós, mas [...] gestos concretos – tentativas de restaurar via ritual aquilo que estava perdido”. Contudo, até uma carícia, como a que Anna faz no irmão que chora, soa mecânica, automatizada e, por isso mesmo, insensivelmente fria. Podemos afirmar, assim, que o espaço fora-de-campo desempenha um papel fundamental na crítica delineada por Der siebente Kontinent. Esse papel só se efetiva, vale destacar, pelo uso incomum e preponderante que Haneke faz da ferramenta, o que o aproxima da vertente conhecida como contracinema, sobretudo da primeira geração modernista cartografada por Wheatley (2009). A utilização desse espaço oculto, mas desdobrável a partir daquilo que é enquadrado, revela ainda a potência do cinema na criação de estratégias narrativas cuja explicação diegética principal reside na forma e não no conteúdo, ultrapassando os limites delineados pelo cinema realista clássico. Assim, além de apartes, rebobinagens intradiegéticas e inserções de telas pretas entre cenas, recursos dissonantes comuns à obra hanekiana, devemos incluir sempre o fora-de-campo no rol de elementos que compõem as críticas propostas pelo realizador. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. A análise do filme. 3. ed. Lisboa: Edições Texto e Grafia, 2004. |