ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Direção de fotografia: a luz expressionista em O veneno da madrugada |
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Autor | Ana Carolina Roure Malta de Sá |
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Resumo Expandido | O veneno da madrugada (2004), de Ruy Guerra, é uma adaptação cinematográfica do romance La mala hora, de Gabriel García Márquez. É um filme marcado pela radicalidade das experimentações realizadas com a linguagem cinematográfica. A direção de fotografia de Walter Carvalho, que busca nas artes plásticas referências estéticas para trabalhar o conceito da fotografia do filme, corrobora as ousadias empreendidas pelo cineasta Ruy Guerra para alcançar uma narrativa antinaturalista. O trabalho investiga, a partir do conceito de anacronismo de Didi-Huberman (2015), como traços expressionistas da xilogravura de Oswald Goeldi e de Käthe Kollwitz se reconfiguram no tratamento da luz e da sombra dessa obra contemporânea do cinema brasileiro e de que modo essa iluminação contrastada atua como meio de expressão fundamental na construção da narrativa. O veneno da madrugada narra a história de um povoado simples que tem a sua monotonia perturbada pelo aparecimento de bilhetes anônimos (os pasquins), grudados nas portas das casas, que denunciam segredos de família, assassinatos, traições, paixões proibidas. Todos os habitantes, dos mais poderosos aos mais humildes, passam a se sentir ameaçados pelas acusações reveladas. Desse modo, toda a narrativa encontra-se permeada pela dúvida, que atinge também o espectador. Ninguém sabe quem é o autor dos bilhetes, do mesmo modo que não se tem certeza da veracidade das acusações, embora muitos acabem acreditando. A fotografia antinaturalista de Walter Carvalho consegue expressar a atmosfera tensa, sombria e obscura da narrativa. A iluminação contrastada com profusão de sombras contribui para um tom expressionista que perpassa toda a história. Os fortes contrastes claro-escuro não só metaforizam o universo interior ambíguo do personagem principal, o Alcaide, como também expressam a duplicidade de outros personagens da história, bem como o próprio universo duplo do povoado, mergulhado em dúvidas, certezas incertas e verdades relativas. Em sentido mais amplo, esse artigo busca contribuir com os estudos referentes à intermedialidade, visto que propõe reflexões acerca do fenômeno de inter-relação de mídias na constituição da obra cinematográfica O veneno da madrugada. Segundo Belting (2014, p.64), “a intermedialidade é uma prática difundida na arte contemporânea, onde é habitual a contemplação da obra ser acompanhada por uma reflexão quanto aos meios empregues”. Em O veneno da madrugada, a interação é estabelecida entre três meios: filme, texto literário e xilogravura. A intermedialidade, nesse caso, se dá, portanto, de dois modos, por meio de transposição midiática (RAJEWSKY, 2012) já que o filme é o resultado da transposição do romance para o cinema, e a partir de referências intermidiáticas (RAJEWSKY, 2012), visto que essa obra fílmica faz referência à xilogravura ao se utilizar de sua própria materialidade cinematográfica para simular qualidades formais pictóricas. No filme O veneno da madrugada, a interseção entre mídias diferentes é fundamental para a constituição das imagens. É o cruzamento de fronteiras entre os meios que possibilita que imagens cinematográficas convoquem ao mesmo tempo imagens literárias, do Romance de Gabriel Garcia Marques, e pictóricas, de Oswald Goeldi e de Käthe Kollwitz. Desse modo, o encontro de diferentes temporalidades, provenientes de mídias distintas constroem o conceito de Luz em Lavoura Arcaica. De acordo com Didi-Huberman (2015, p.15). “sempre, diante da imagem, estamos diante do tempo”. O autor parte de uma perspectiva anacrônica da história da arte, o que significa dizer que, para ele, uma imagem é o resultado do encontro de temporalidades distintas que se atualizam no “agora” da construção da obra. O conceito de anacronismo desenvolvido por esse autor possibilita a reflexão sobre a construção da fotografia de O veneno da madrugada, sobretudo no que diz respeito à luz e à sombra, elementos estéticos fundamentais para metaforizar embates cruciais da narrativa. |
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Bibliografia | BELTING, Hans. Antropologia da imagem. Lisboa: KKYM, 2014. |