ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Imagem e narração: Às políticas da memoria nos filmes de Pedro Costa |
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Autor | Marisol Fila |
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Resumo Expandido | Começando com o longa metragem Casa de lava (1994), os filmes do cineasta português Pedro Costa têm lidado com populações de imigrantes cabo-verdianos em Lisboa. O modo como esses sujeitos são representados em boa parte de sua filmografia, permite-nos caracterizar seus filmes como parte da categoria de “cinemas do Outro” (Rushton & Bettinson, 2010). Os “cinemas do Outro” chamam a atenção para grupos minoritários e a sua sub-representação no cinema. Os grupos marginais são encorajados a falarem e a se representarem a si mesmos, em contraste com os modos de representação no cinema dominante (Rushton & Bettinson,2010: 90). Os filmes de Costa também refletem a condição pós-colonial de Portugal na maneira em que dão conta dos processos históricos, sociais e econômicos que atravessou o país durante as últimas quatro décadas, especialmente através do tratamento das experiências e condições de vida dos imigrantes naquele país. Utilizando quase inteiramente atores não profissionais, seus filmes situam-se nos limites entre documentário e ficção. Porém, como é justamente esse limite, essa fronteira entre realidade e ficção expressada nos filmes de Costa? Será que é possível fazer essa distinção ou talvez como escreve Beatriz Sarlo, “não há testemunho sem experiência, mas também não há experiência sem narração” (2005: 29)? É então a narração da experiência um ato imaginativo de autodefinição (Carlson, 2009) e, portanto, uma autoficção? Ainda mais, qual é o papel da memória na apresentação das experiências de vida desses sujeitos? Trata-se de uma memória individual ou talvez como Leonor Arfuch questiona, “que vozes de outros tempos – da mesma voz? – se inscrevem no decurso da memória? Quem é o sujeito dessa história" (2002: 90). O propósito desta fala será pensar estas questões através da análise duma carta que circula entre os filmes Casa de lava (1994) e Juventude em marcha (2006). A carta é inicialmente introduzida como parte dos pertences de Edith, uma mulher portuguesa que mora na ilha do Fogo desde que seu namorado foi enviado como prisioneiro político ao campo de concentração de Tarrafal durante o regime de Salazar. A mesma carta parece logo depois ter sido enviada pelo Leão, imigrante cabo-verdiano em Lisboa que foi reenviado a Cabo Verde depois de ter sofrido um acidente de trabalho. A carta cai nas mãos de Mariana, enfermeira portuguesa que acompanha Leão a Cabo Verde, mas a carta está escrita em kriolu, e a Mariana pede constantemente uma tradução da mesma. A circulação da carta chega até o filme Juventude em marcha, onde é constantemente repetida pelo Ventura, imigrante cabo-verdiano em Lisboa. Aqui, ela aparece fragmentada, e reiterada através duma linguagem que mistura o kriolu com o português. Supostamente dirigida ao amor de Ventura em Cabo Verde, expressa o desejo de um encontro que vai tornar as suas vidas mais bonitas por mais de trinta anos, mas também da aprendizagem diária de palavras novas e do trabalho, que nunca para. A carta foi originalmente escrita por Pedro Costa, misturando a carta de um trabalhador imigrante com a carta-poema escrito por Robert Desnos, poeta francês que foi preso pelos nazistas em 1944. Partindo de uma análise da rede intertextual em torno da carta, o seu bilinguismo, a sua apresentação através de diferentes materialidades visuais e auditivas ao longo dos filmes, e ainda sua circulação para além de geografias e contextos históricos específicos, a minha fala tenta demostrar como a carta é capaz de operar como um “discurso para um outro” (Naficy, 2001: 103), que cria uma ilusão de presença de uma figura ausente, mas que neste caso particular, refere-se não só a um ser amado que fica distante, mas a um grupo muito maior de sujeitos marginalizados. Neste sentido, será argumentado que através de uma reivindicação do caráter universal da carta, “imagem e narração se unem de maneira indissociável em qualquer tentativa – e, portanto, em toda política – de transmissão da memória” (2012: 403). |
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Bibliografia | Arfuch, Leonor. “Memória e Imagem”, em Educação Real, Porto Alegre, V. 37, n. 2, maio/agosto 2012, pp. 399-408 |