ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | O reverso da imagem e o indizível da literatura em Paterson (2016) |
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Autor | Barbara Cristina Marques |
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Resumo Expandido | O que pode estar por trás de uma imagem senão uma outra imagem? Na sombra desta outra imagem não estaria o pensamento e, portanto, a linguagem (PAZ, 1982)? O que dizer da palavra em suspensão? Italo Calvino diz que a “batalha da literatura é precisamente um esforço para sair das fronteiras da linguagem”, ou dessa “margem extrema do dizível [...], é o apelo do que está fora do vocabulário que move a literatura” (2009, p. 208). A experiência do sensível está justamente nessa fenda, no intervalo, no interstício entre o mundo escrito e o não-escrito. As imagens nunca são “intransitivas”, diz Rancière, “são antes de mais nada operações, relações entre o dizível e o visível” (2012, p. 14). Entre o material léxico e o material imagético, ou entre o poema e a imagem fílmica, há um campo infinito de afecções, relações e transbordamentos que extrapolam as próprias materialidades nas quais se inscrevem imagem e palavra no cinema e na literatura. O lugar de Paterson (2016), o último filme de Jim Jarmusch, é justamente aquele da dobra, para lembrar Deleuze (1991). Aquele da transparência da imagem e da palavra, do encontro do cinema com a literatura. Em Paterson, Jarmusch cria a figura do escritor recluso, solitário na economia das falas, escondido na pele de um motorista de ônibus, encapsulado na rotina das pessoas absolutamente comuns. Tudo segue a ordem natural de um day by day. Paterson vive na cidade de Paterson, em New Jersey, dirige um ônibus da cidade chamado Paterson. Paterson é, na verdade, o nome de um longo poema do poeta norte-americano William Carlos Williams, o maior ídolo do personagem, ao lado de Frank O’Hara. Algo que me parece fundamental na provocação de Jarmusch refere-se aos processos intermediais como potências de articulação: a palavra literária é vibrátil, ela não ocupa um campo distinto da imagem, antes, funde-se a ela. Nessa aposta por uma imagem sensível ao literário, Paterson é um filme no qual os planos se repetem, a narrativa apresenta-se completamente rarefeita, não há cortes abruptos nem sequências mirabolantes. Jarmusch propõe, nesse sentido, uma reflexão especular e metapoemática ao devolver ao olhar do espectador o reverso da imagem fílmica, onde se encontra o horizonte do literário, dizível ou indizível. Uma visibilidade dividida em duas superfícies: a vida mecânica e programática do personagem Paterson, a mesma dos planos e enquadramentos ritualísticos, homogêneos, dos espaços quase estáticos, e uma outra, do etéreo, da palavra que fala, de uma realidade desgarrada das leis pragmáticas, de uma corporalidade textual. Há um conjunto de articulações a partir do qual é possível questionar não apenas o lugar do literário, mas o regime da imagem. A proposta deste trabalho é, nessa perspectiva, refletir sobre essa espécie de jogo de forças em que se visualiza a contração de uma imagem diegética – Paterson a viver a rotina do motorista de ônibus e sua vida conjugal com Laura (excêntrica, falante, inquieta) – quando a outra imagem surge na tela em processo de choque; nega-se a pedagogia do silêncio e da incômoda incomunicabilidade por meio da palavra-poemática. Para lembrar Carrière (2015), Jarmusch dá ao espectador algo como uma imagem-névoa ou “névoa da palavra”. Para além das imagens sobre as quais palavras são inscritas/escritas e, assim, sobrevoam livremente o quadro, há várias outras paisagens ocultas provocadas pela experiência do imaginário, pelo ausente, por algo localizável fora da palavra. |
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Bibliografia | ALLOA, Emmanuel (Org.). Pensar a imagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. |