ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | A intolerável visão da carne no cinema de Gaspar Noé |
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Autor | Mario Sergio Righetti |
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Resumo Expandido | Essa comunicação irá refletir sobre parte da obra do cineasta franco-argentino Gaspar Noé, tomando como objetos os filmes: Carne (1991); Sozinho Contra Todos (1998) e Irreversível (2002), para pensar mais especificamente sobre seus modos de filmagem e edição que transgridem uma estética do corpóreo para chegar a um cinema da carne, ou, na obsessão por uma visualidade explícita que exibe o corpo enquanto carne dilacerada, torturada, violada, pautada na exposição da violência, do abjeto e do excesso de acordo com as teorizações filosóficas de Georges Bataille. Enquanto o cineasta evoca e explora a visualidade da carne, suas imagens afetam sensorialmente o espectador, o que acaba por configurar o que supomos ser a forma empregada pelo realizador para chegar às sensações e afetos esperados no receptor, todos inscritos através do desejo comum de rasgar os limites do corpo - revelando pele e carne destroçadas - para expor a fragilidade da nossa existência corpórea profundamente finita. A obra de Gaspar Noé constitui uma virada do cinema francês em direção à fisicalidade explícita e gráfica, marcada pelo desrespeito às fronteiras de gênero, em uma combinação da estética do cinema de arte com táticas de choque, representando temas brutais através de técnicas que aumentam o envolvimento sensorial e afetivo do espectador e colocam em primeiro plano sua resposta, com o intuito de questionar a cumplicidade daquele nos atos de voyeurismo e desejo em torno da representação da sexualidade e da violência no cinema. Nesse contexto, analisaremos a vertente extremamente carnal de Noé, elencando entre seus primeiros filmes aspectos de um estilo de cinema que reconfigura uma estética do corpóreo, devido à ênfase nos gêneros do corpo, mais especificamente o horror e o pornográfico, mas que devido a seus aspectos viscerais, trágicos e angustiantes transmutam o domínio da simples corporeidade compondo uma “narrativa da carne” (PALMER, 2006), literalmente marcada por uma ênfase nos excessos batailleanos, principalmente pela predominância (nessas narrativas) da representação gráfica do sexo e da violência e da exibição das dores e sofrimentos gravados na carne e desveladores do lado instintivo e animalesco do ser humano. O cinema de Noé representa, enfim, uma sensação visual puramente carnal, tornando a mise en scène uma potência sonoro-visual eroticamente batailleana, atordoante e cruelmente desprazerosa, onde o excesso como materialidade expressiva tem uma força brutal para rasgar a pele do filme e dilacerar a carne do espectador, fazendo com que este sinta no próprio corpo/na carne as situações vistas na tela, quase como num “frenesi do visível” (WILLIAMS, 1989) que corrobora para provocar as reações fisiológicas desagradáveis experimentadas por ele. Desta forma, o realizador obriga o público a testemunhar uma imagem que “(...) excede a possibilidade do olhar, [d]aquilo que é intolerável de ver” (BATAILLE, 1987) e que pode evocar uma crise nas concepções morais e éticas do espectador por tematizar crua e repetidamente a questão da concepção, vida e morte do sujeito, sem os doces laços fraternais que a sociedade crê existir – entre outras misérias humanas. |
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Bibliografia | BATAILLE, Georges. O Erotismo. Porto Alegre: L&PM, 1987. Trad. Antonio Carlos Viana. |