ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Estrangeiros - O documentário institucional dos Corpos da Paz na AL |
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Autor | Fernando Weller |
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Resumo Expandido | Os Corpos da Paz são uma instituição norte-americana criada por Kennedy em 1961 como parte de uma nova política global de enfrentamento da influência comunista no mundo e de renovação de uma missão modernizadora dos EUA. Através deste programa, milhares de jovens recém-formados foram enviados para atuarem em trabalhos comunitários em localidades distantes “comendo a mesma comida e falando a mesma língua” dos povos nativos, como assinalava a propaganda institucional da época. No Brasil, o programa encerrou suas ações em 1979 e, ao longo dos anos, mais de 6 mil voluntários foram enviados ao Brasil, a maioria para o Estado da Guanabara e regiões remotas do Nordeste. Durante os anos em que esteve no país, o programa conviveu com uma política ampla de investimentos econômicos e sociais na América Latina chamada Aliança para o Progresso. Os Corpos da Paz não eram vinculados diretamente à Aliança, mas atuavam muitas vezes em programas assistenciais financiados por ela através da USAID. A desconfiança em relação à presença “gringa” na América Latina surge de maneira ampla em obras audiovisuais e literárias no contexto político das décadas de 1960 e 70. Uma das referências mais célebres e contundentes está no filme Yawar Mallku (O Sangue do Condor), de Jorge Sanjinés, realizado em 1969 na Bolívia. No filme, os americanos são representados como uma ameaça às tradições dos indígenas por realizarem esterilizações clandestinas em mulheres, causando a infertilidade da população. O filme acabou por se tornar uma peça anti-imperialista poderosa que levou à expulsão dos Corpos da Paz da Bolívia no ano seguinte ao seu lançamento. No mesmo ano, em 1969, a agência norte-americana realiza uma série de documentários de média duração voltados para a propaganda institucional do órgão no mundo e, principalmente, para o recrutamento de voluntários entre a juventude norte-americana. Naquele momento, a guerra do Vietnã era um fator de desconstrução interna da ação supostamente humanitária dos EUA no mundo. Muitos jovens que não concordavam com a ação militarista americana inscreviam-se nos Corpos da Paz como forma de escapar ao alistamento. A propaganda institucional voltada para atuação na América Latina assume uma posição ambígua: reafirma um caráter imperial marcado pela missão civilizadora do órgão em meio à suposta degradação social dos povos latinos e, ao mesmo tempo, sugere o programa como uma especie de saída “hippie” para uma geração de jovens idealistas. Assim, longe do estereótipo dos Corpos da Paz apresentado no filme de Sanjinés, esses jovens carregavam consigo as contradições de uma geração norte-americana marcada pela luta dos direitos civis no país, pela emancipação feminina, pelas questões raciais e, ao mesmo tempo, atuavam como ponta de lança de uma política imperial anti-comunista. Os filmes The Foreigners e Onde Step at a Time revelam tais contradições e apresentam uma visão outra do imaginário norte-americano acerca da cultura e dos povos latino-americanos naquele período. O primeiro é filmado em uma periferia de Bogotá e apresenta a complexa relação entre o grupo de jovens e as lideranças sociais colombianas. A autocrítica dos americanos leva a um estado de ruptura dos jovens com os interesses institucionais e, finalmente, com o próprio filme realizado pela agência, que é interrompido pelos personagens no momento em que o impasse gerado por suas ações se torna incontornável. O segundo filme tem uma construção muito mais propagandística e revela, em contraste com The Foreigners, uma idealizada integração dos jovens em comunidades rurais e urbanas no Brasil. Ambos os filmes apresentam a visão imperial sob uma nova perspectiva, não a da conquista militar, mas a do suposto engajamento voluntário na resolução dos problemas. No fundo, trata-se da renovação do mesmo mito do herói colonial em um contexto de intensas contradições. |
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Bibliografia | Azevedo, Cecília. Em nome da Amércia – Os Corpos da Paz no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Alameda, 2008. |