ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Epifania melancólica do real: montagem e alegoria no filme-ensaio. |
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Autor | Alberto Greciano Merino |
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Resumo Expandido | A forma ensaio irrompe no cinema para liberar o documentário das regras de jogo que impõe a teoria científica. Nessa tentativa, o ensaio visual vai traçar um percurso singular pela globalidade do assunto que esteja abordando, deslizando-se por uma densidade temporal onde os conceitos se entrelaçam e compõem uma ordem mútua entre as ideias e as coisas, preservando assim a fecundidade fluida do pensamento. A verdade passa a se transformar em conhecimento reflexivo e a estética, na epifania de um pensamento que penetra nas coisas estabelecendo uma ponte efêmera entre o geral e o particular, entre o subjetivo e a história, entre o pensamento e o sentimento. Essa disposição que introduz o filme-ensaio supõe um modo estilístico de exposição do conhecimento e fornece a construção de uma subjetividade heterogênea e reflexiva, que, ao tratar de esclarecer uma realidade indissolúvel, traz consigo uma experiência melancólica. Quando ensaia com a realidade, o cineasta pode ativar essa consciência melancólica. Para isso deve atuar como a dobradiça do pensamento, ou seja, como produto e origem da reflexão, tanto a sua própria quanto a do espectador. Constrói-se assim um olhar emotivo-mental que conjuga a consciência do tempo humano. Um tempo abocado à morte que assume e experimenta a sua essência através do sentimento melancólico. Segundo Kristeva, o temperamento "melancólico-reflexivo" está necessariamente instalado entre "os dois polos conecessários e copresentes da opacidade e do real" (1987, p. 112). A melancolia do filme-ensaio faz evidente esses limites, já que vive na fronteira, entre-mundos, em um processo de liquefação onde a verdade está em perene transformação e a emoção gera uma inflexão nas imagens às que vai unida. O ensaio, por sua vez, procede articulando fragmentos que provêm das ruínas do real, da história convertida em imagens (BENJAMIN, 2002). Assim, através da montagem, interroga visualmente o objeto e as imagens tomam consciência de sua própria contingência. A contiguidade metonímica das imagens estabelecidas pela montagem clássica perde consistência, pois o ensaio não se dirige ao verdadeiro como algo estático: as relações se estabelecem por meio de ritmos e rimas, cruzamentos e constelações. A disposição dos fragmentos assume a forma de "correspondências" (AMIEL, 2007), "desmontagem" (BONET, 1993) ou "distâncias" (PELESHYAN, 1972), explorando a multidimensionalidade dos processos protometafóricos. Através dessas arquiteturas retóricas e por meio de verdades provisionais, o abstrato toma corpo procurando perseguir e elaborar os materiais dos quais está feita a realidade. Dentre os distintos mecanismos retóricos possíveis, Català nos convida a distinguir que a alegoria está sempre presente nas imagens. Além do seu procedimento clássico "que consiste em converter as ideias em coisas", ou seja, em imagens e símbolos, também estabelece relações a partir do próprio território visual, "situando-nos em um nível superposto à imagem literal ou realista". Vai exceder inclusive a inversão moderna da alegoria, sobre a qual Benjamin se referia para assinalar a conversão das coisas em ideias; agora já supõe "una reconversão das imagens em formações mentais de caráter simbólico que reconfiguram o representado" (CATALÀ, 2012, P. 72-74). Dessa maneira as representações visuais podem-se observar como um território ou paisagem em que vemos aparecer formações e relações diferentes em função da interpretação particular. Essa proposta discute as marcas de constituição e os dispositivos hermenêuticos do filme-ensaio em diálogo convergente com os modos de produção e fruição que estão se utilizando no contexto brasileiro contemporâneo. Aponta possibilidades de apreensão analítica nas obras "Entretempos" (Yuri Firmeza e Fred Benevides, 2016), "O pato da morte" (Lucas Parente, 2014), "As sete mortes de Pedro, o garoto que colecionava caveiras” (Fabrício Brambatti, 2012), entre outras. |
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Bibliografia | AMIEL, Vincent. Estética da montagem. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2010. |