ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Devaneios de um caminhante solitário: o homem das multidões. |
|
Autor | Consuelo Lins |
|
Resumo Expandido | Trata-se de discutir as conexões de O homem das multidões (2013) com o conto homônimo de Edgar Allan Poe no qual o filme se inspira, escrito em 1840. A breve narrativa do escritor americano identificou na Londres da primeira metade do século XIX um tipo de solidão urbana e modos de flanar pela cidade que marcarão gerações de artistas e pensadores dali por diante – Baudelaire entre os primeiros, tradutor do conto para o francês. Depois de filmar uma solidão “estática” em A alma do osso (2004), Cao Guimarães quis registrar o que chama de “solidões em movimento” em Andarilho e, por fim, uma solidão urbana na cidade de Belo Horizonte. A chamada “trilogia da solidão” faz, no entanto, um recorte particular em uma dimensão central na obra do mineiro, seja nas próprias experiências cotidianas do artista - matéria dos seus curtas e fotos -, seja nos indivíduos solitários de Rua de mão dupla (2002), nas viagens solitárias pelo Brasil do protagonista de Ex-isto (2010) ou nos vários momentos de solidão de Acidente. “Solidão - diz o artista - é fundamental para a existência, acho que sem solidão ninguém consegue viver, mas as pessoas estão desaprendendo a ficar só. (...).” Condutor de trem no metrô da cidade, o personagem Juvenal, em O homem das multidões, é um misantropo que aplaca suas angústias em lugares cheios de gente, seja nas ruas e praças da cidade, nas galerias comerciais, nos bares em que se alimenta ou nos corredores do metrô. Usufrui de um certo prazer na relação com o tecido sensível da cidade de Belo Horizonte, achando graça do que fazem as pessoas: “(…) voir le monde, être au centre du monde, et rester caché au monde, tels sont quelques-uns des moindres plaisirs de ces esprits indépendants (…)” . Não se trata de um velho, como no conto, tampouco possui aparência sinistra. É um personagem que transita entre a figura descompromissada e ociosa do flâneur, um indivíduo auto-reflexivo e observador do mundo a caminhar pelas ruas de Paris descrito por Baudelaire e o personagem associal a atravessar a soturna Londres em meio a multidão, incapaz de ficar sozinho, narrado por Poe. Discutiremos ainda nessa comunicação a riqueza formal do filme, a começar pelo impacto sensível provocado por sua forma quadrada, que altera o recorte espacial da imagem e tem como efeito primeiro colocar o espectador em um estado de percepção aguçada, fazendo-o ficar mais atento ao que acontece no interior desse inusitado quadro. Um gesto ousado dos cineastas que enfatiza algo que, na maioria das vezes, o cinema nos faz esquecer: a arbitrariedade da forma retangular do cinema - raramente mexida - e a possibilidade de outros modos de filmar o mundo. Veremos que não se trata de um gesto que visa apenas a desconstrução de uma convenção, e sim de uma opção estética enraizada na estrutura narrativa e na dimensão sensorial que o filme quer construir. |
|
Bibliografia | Baudelaire, C., “Le peintre de la vie moderne”, p. 115. Selected critical studies of Baudelaire. Cambridge, University Press, 1949. |