ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Irmãs Jamais, imagens pálidas de (uma) família |
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Autor | Julia Scamparini |
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Resumo Expandido | O cinema que de alguma forma se refere ou remete ao próprio diretor é mais frequentemente discutido no âmbito do documentário, sobretudo quando se trata de produção recente, pertencente a um recorte temporal que pode ser definido, grosso modo, das décadas finais do século XX às décadas iniciais do século XXI. Circunscritos neste espaço de tempo, tais filmes vêm sendo categorizados como ensaios e filmes-diário – metáforas terminológicas que expõem a aproximação dos mesmos a formas de uso íntimo ou literário-livre da linguagem verbal –, e também como documentários performativos e autobiográficos, os quais usualmente estabelecem vínculo com aspectos da ficção e da literatura. Por mais que façam parte do grande guarda-chuva do gênero documentário, as escritas de si no cinema flertam com outros modos discursivos, ou são por eles formadas e, portanto, configuram-se como uma forma de transgressão ao que se entende por documentário, ficção e, claro, por autoria – desde sempre uma questão para o cinema. O cineasta que decide servir-se da própria figura ou contar a si mesmo abraça de antemão estes deslimites, põe os pés nas linhas imaginárias que definem as fronteiras entre artes e regimes, num exercício de autoconfronto muitas vezes inconsciente (como pode ser o caso dos filmes de família) e outras vezes bastante desejado, como em filmes resultantes de pesquisa histórica e de arquivo, ou em cinemas mais experimentais. Inserir o filme Irmãs Jamais (Sorelle Mai, no original), de 2010, nas discussões que contemplam os gêneros acima mencionados tem como motivação e objetivo elucubrar sobre o projeto artístico no qual Marco Bellocchio se engajou ao realizar um drama ficcional com imagens de sua família e de sua cidade natal, imagens produzidas por alunos de sua escola de cinema, o Laboratorio Fare Cinema, em seis verões entre 1999 e 2008. Num momento artístico em que a produção subjetiva ganha proporções até mesmo exageradas, segundo a crítica (pois muitos filmes parecem motivados por vaidade mais do que por reflexões estéticas, políticas ou sociais), isto é, dada a moldura discursiva que a época nos impõe, esse filme surge como uma provocação, uma ficção de si que finca pés em imagens de família fortemente documentais, mas abre mão da imagem, da voz, ou de qualquer traço da materialidade do diretor. Marco Bellocchio parece optar por unir uma necessidade prática a uma operação afetiva, pois ao mesmo tempo em que usa, para ensinar seus alunos do laboratório, a matéria-prima imagética que tem por perto, ou seja, seus próprios filhos (Elena e Piergiorgio) e irmãs (Maria Luisa e Letizia), faz um registro de sua família e, de certa forma, desloca a fricção banal entre ficção e realidade, já tão explorada nos documentários subjetivos da época recente, em direção a uma forma nova, que não gera problemas de pacto de leitura para com o espectador, mas que propõe reflexões outras, principalmente sobre a imagem documental e a montagem. Adotando uma escrita pessoal indireta, através da ficção, através da própria família, o mais perto que chegamos da figura de Marco Bellocchio será por meio de sua reflexão sobre o cinema. Suas imagens pálidas, conceito que se define por oposição às imagines agentes (ASSMANN, 2011) e reúne também uma impressão visual do filme, desenham uma paisagem que oscila entre a amargura e a ternura e compõem o ritmo de Irmãs Jamais. |
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Bibliografia | ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011. |