ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Favor não tocar. Imagem pungente e impotência em “Amarelo Manga”. |
|
Autor | TAINA XAVIER PEREIRA HUHOLD |
|
Resumo Expandido | Na obra de Claudio Assis a decadência dos ambientes funciona como um motivo visual recorrente, onde o mau estado de conservação permite o vislumbre de índices materiais da passagem do tempo. Como palimpsestos, esses traços são testemunhas de outras narrativas, de épocas passadas que permanecem como marcas que emergem na precariedade das estruturas. Exemplo de tal procedimento pode ser apontado em “Baixio das Bestas” (2007), onde são abordadas as relações sociais arcaicas do coronelismo em decadência, que se perpetuam no presente em forma de abusos sexuais e violência direcionada ao corpo feminino, como a exercida pelo avô/pai em relação à neta ou pelos jovens em relação às prostitutas. Em sua reflexão sobre a fotografia, Barthes se utiliza do termo em latim punctum para nomear o efeito de afeto que emana da imagem e sensibiliza o espectador de modo mais profundo: “é ele que parte da cena, como uma flecha, e vem me transpassar” (BARTHES, 1984, p. 46). A esse conceito, o autor contrapõe o termo studium, que define como um tipo de relação mais superficial, um interesse polido, por imagens que permanecem inertes, que mobilizam um meio-querer, um interesse vago, um afeto médio (p. 45-47). O autor complementa a definição do punctum como “espécie de extracampo sutil, como se a imagem lançasse o desejo para além daquilo que ela dá a ver” (p. 89). Parte-se aqui dos efeitos pungentes apontados na recepção dessas fotos e sugere-se que o uso da textura pela direção de arte pode gerar a intensificação do afeto na imagem cinematográfica, graças à mobilização do sentido tátil evocado pela visão, que o substitui: "A textura deveria funcionar como uma experiência sensível e enriquecedora. Infelizmente, nas lojas caras, os avisos 'Não tocar' coincidem, em parte, com o comportamento social, e somos fortemente condicionados a não tocar as coisas ou pessoas de nenhuma forma que se aproxime de um envolvimento sensual. O resultado é uma experiência tátil mínima, e mesmo o temor do contato tátil [...]." (DONDIS, 2007, p. 71). Ou seja, o aumento das variações na superfície (manchas, cortes, marcas, relevos, descascados, fissuras e outros), em oposição à homogeneidade ou à polidez, tende a mobilizar, transpassar o espectador de forma mais intensa graças à evocação de um sentido interditado. Renata Pinheiro, em “Amarelo Manga” trabalha com diferentes valores de textura, sendo esse um elemento individualizante dos ambientes cênicos. Na casa de Kika (Dira Paes) impera uma atmosfera estéril, cujas superfícies homogêneas e limpas, traduzem visualmente a religiosidade puritana da personagem, abandonada ao final do filme. Ambiente intermediário, o Bar Avenida exibe algumas marcas, sujeira, desgaste, interferências e um constante rearranjo, proporcionado pelo seu uso, que contrasta com a estagnação pessoal de Ligia (Leona Cavalli), sua proprietária. Marcado pelo uso mais intenso de texturas, o Texas Hotel apresenta paredes e portas extremamente encardidas e descascadas, com superfícies de cores descontínuas e sobrepostas, móveis em péssimo estado de conservação e objetos fora de contexto. É nesse espaço que transitam as personagens mais marginais da trama: Dunga (Matheus Nachtergaele) , Isaac (Jonas Bloch) e D. Aurora (Conceição Camarotti), a prostituta asmática, cuja respiração arfante, corpo cansado e entorno saturado sintetizam a atmosfera sufocante deste cenário, onde a impotência frente à precariedade estrutural encontra na sexualidade o único meio de extravasamento. Em “Amarelo Manga” o uso calculado da textura nos ambientes amplia a capacidade da imagem de afetar, provocar, ferir o espectador por meio de uma imagem pungente. Diante da falta de perspectiva das personagens, que confere à narrativa um atestado de impotência frente ao abjeto do mundo, o afeto emanente se interdita ao chegar no espectador que, impedido de agir, deve comportar-se, conforme indicado por Dondis, como numa loja onde há um aviso de “Não tocar”. Só o que o resta é ver. |
|
Bibliografia | AFFRON, Charles; AFFRON, Mirela Jona. Sets in motion. Art direction and film narrative. New Jersey: Rutgers University Press, 1995. |