ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Timbres e Sons: o diabolus in musica na terra de Santa Cruz |
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Autor | Mauricio Monteiro |
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Resumo Expandido | O diabo é ardiloso, astuto e sabe atrair e vencer seus oponentes; no filme de Moacyr Góes (O homem que desafiou o diabo, 2007), o diabo também dança e samba. Se observarmos as sonoridades do filme deparamos com vários timbres e ritmos tanto característicos da tradição nordestina e, embora em menor escala, do repertório sinfônico ocidental. Esse último caso é muito marcante, pois inicia a trajetória do herói que, de Zé Araújo (Marcos Palmeira), um caixeiro viajante, mulherengo e dominado pela família da esposa Dualiba (Livia Falcão), transforma-se em Ojuara, o homem que desafiou até o diabo. Vemos ainda no filme de Moacyr Góes uma série de músicas da tradição nordestina com o modalismo típico das tradições do cancioneiro ibérico. Essas tradições têm raízes na Idade Media Central fazem parte – até hoje - do imaginário nordestino. Nos séculos XII e XIII desenvolveu-se na Europa uma atividade lítero-musical muito forte, presente nos trovadores Catalães, Galego-portugueses, nos Trovatori italianos, nos Minnesänger e nos Meistersäng onde hoje é a Alemanha. No espaço geográfico que hoje forma a França, as atividades dos Troubadours e dos Trouvères deixaram ao Ocidente o testemunho de uma lírica e de uma musicalidade típica, resultado de uma sociedade que sabia da necessidade dos monstros, das vitórias do demônio e do juízo de Deus. Afinal, as sociedades só criam códigos que elas mesmas podem decodificar e, por isso mesmo, veneraram a um deus único através de suas poesias e de suas músicas, para que ele, na benevolência que lhe foi atribuída, combatesse, em nome dos homens, os demônios, os monstros, as almas, as bruxas, os hereges, os bárbaros e tudo mais que atormentasse a vida medieval. No filme de Moacyr Góes essas mesmas entidades assombram o nordeste e, sobretudo, o diabo encarnado em Cão Miúdo (Helder Vasconcelos). Quando se manifesta, os primeiros sons são fantasiosos, carregados de grunhidos e sonoridades que caracterizam os temores do homem nordestino. O Cão Miúdo tem um leitmotiv: as sonoridades são típicas das praticas culturais do Brasil, com sons de agogô a repetir copiosamente as síncopes afrodescendentes e caixas-clara típicas dos maracatus, das marchas do interior do Rio Grande do Norte e dos agrupamentos da musica tradicional. Os ritmos já trazem por apropriação mítica e por relações ideológicas a sensação de desequilíbrio, de instabilidade, à maneira de Dioniso, condenado pela mitologia grega a cruzar o Egito, tocando tambores junto com Pã, Bacantes e Sátiros. No filme de Moacyr Góes os timbres são variados e cada um deles, nas suas características multidimensionais, assumem funções específicas: rabecas, triângulos, flautas, harpas, zabumbas e pífanos, dentre muitos outros. Outra percepção de Moacyr Góes ao registrar as músicas tradicionais do Nordeste, foi a utilização da obra Boi Tungão, do potiguar Chico Antônio (1904-1993), descoberto por Mario de Andrade e homenageado pelo Grupo Mestre Ambrósio e Antônio Nobrega. Outro momento sonoro importante acontece na casa de Mãe de Pantanha (Flavia Alessandra): em um sonho de Ojuara, a música é impressionista, com uma flauta cromática, empática e sugestiva. Após o sonho, em um momento mais sexual e traiçoeiro, a musicalidade recorre a um arabesco sonoro, à maneira de um Mozart alla turca. Considere-se aqui outro aspecto importante: uma influência árabe devido, sobretudo, ao processo significativo de migração nos inícios do século XX. As sonoridades no filme de Moacyr Góes são como Las Ensaladas de Mateo Flexa, el viejo. Em outras palavras, nele pode-se encontrar uma serie de estilos e gêneros, bem como as sonoridades características do nordeste. Tudo isso não é gratuito, uma vez que as correntes culturais se entrecruzam desde o século XVI e determinam uma cultura típica, carregada de formas diversas de musicalidades, exploradas no herói do sertão e no diabo de três terços: um terço animista, um terço fundamentalista, um terço cristão. |
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Bibliografia | CASSIRER, E. A Filosofia das Formas Simbólicas. São Paulo: Martins Fontes, |