ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | As regras de uma ilusão. |
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Autor | Sylvia Beatriz Bezerra Furtado |
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Resumo Expandido | Este artigo dá continuidade a uma pesquisa que venho realizado com os escritos de Pasolini sobre o cinema e o real como condição de linguagem. Também o cinema como linguagem dessa linguagem, que é uma produção do mundo como estado cognitivo de sentidos. O que no pensamento de Pasolini, que inscreve o real no campo da linguagem e o cinema no campo da linguagem do real, pode fazer para descodificação do cinema e a descodificação do real, na medida do confinamento dos estados do pensar e do sentir? Como esse jogo ilusório pode construir um Comum? Essas perguntas são princípios que inscrevo no pensamento como uma fissura aberta em uma cena. Uma cena que sempre se volta contra o próprio pensamento e que me leva a apostar nos embates com os filmes, com os escritos, na luta entre uma cena e outra, na montagem, na medida que o real é algo absolutamente intransponível. Parto de alguns escritos de Pasolini não para afirmar o que ele disse. Primeiro porque leio seus escritos com um grande interesse em encontrar coisas. Coisas de cinema. Algo, uma frase, uma palavra, umas mais próximas e outras sem nenhuma proximidade. Mas é ele, Pasolini, que me fez ver com seus escritos algo do qual me aproprio e venho seguindo. Ele diz assim: “o cinema é a linguagem do real”. Para em seguida dizer: “o real só existe como linguagem”. Não se trata de uma brincadeira, um jogo de palavras. Ao contrário, essa é uma questão que volta e meia retorna, insiste seriamente. Como fazer um plano? Como juntar planos? Como construir personagens? Como ocorrem os diálogos? Como uma luz se segue dentro do campo que o plano recorta? Um plano é um real em pedaços, em ruínas?. Um início e um fim, que se alonga ou se comprime no espaço e em variações temporais. É como se, em princípio, a realidade em seu estado de linguagem, pudesse sofrer todas as atrocidades que o cinema possa lhe impor através da sua modulação, seja como expressão ou como matéria – de corpos, de luz, de quadros, de movimentos, de enquadramentos, de montagem. Pasolini afirma o cinema como uma nova língua da realidade, dando ao seu cinema o papel de constituir um novo mundo, uma língua que revela e manifesta a realidade e com a qual acreditava poder aproximar, com a linguagem cinematográfica que ele construía a cada filme, o cinema e a vida, um estado do Comum. Em “Le Regole di Un’Ilusione”, diz Pasolini: “O cinema- que é uma sequência infinita que reproduz de um só ponto de vista toda a realidade – é fundado sob o tempo e obedece as mesmas regras que a vida: a regra de uma ilusão. É estranho dizer, mas é necessário aceitar essa ilusão. Porque quem ( como homem e como poeta, não como santo) não aceita essa condição, em vez de entrar em uma fase de maior realidade, perde a presença da realidade, a qual consiste unicamente de tal ilusão”. (P.P.P. 1991 p.17) . É estranho mesmo, como afirma o próprio Pasolini, uma assertiva dessa natureza, que toma a realidade como ilusão. Mas é justo com o princípio da ilusão, dessa matéria que produziria o ofuscamento dos sentidos e que impossibilitaria a razão de cumprir seu papel de discernimento, que as regras fílmicas de Pasolini trabalham. A realidade é o falseamento sem uma origem nem original. É do embate entre essa realidade ilusória e os jogos ilusórios da realidade fílmica, também ela atravessada pelos requintes ópticos e sonoros, que Pasolini produz o seu cinema como matéria modulada, em formas fílmicas. O que se evidencia na proposição pasoliniana é a presença da câmera e da montagem. Movimentos e enquadramentos que afirmam pontos de vista incompatíveis com o da percepção naturalizada, como a alternância de diferentes objetivas; enquadramentos insistentes e obsedantes; ângulos extraordinários; excesso de zoom, movimentos aberrantes e paradas de movimento, etc.- ; e os procedimentos de montagem desafiadoras das regras da montagem invisível. O cinema de Pasolini mostra como as regras ilusórias do cinema se sobrepõem às regras ilusórias do real. |
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Bibliografia | Amoroso, Maria Betânia, "A paixão pelo real", Edusp, São Paulo, 1997. |