ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | A TRANSGRESSÃO DO CORPO NO CORPO DO FILME CASTANHA |
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Autor | Guilherme de Souza Castro |
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Resumo Expandido | Castanha (LM, 1h35, 2014), de Davi Pretto, é um Documentário sobre João Carlos Castanha, experiente ator de teatro e cinema e performer drag na noite gay de Porto Alegre. Com temática LGBTTT , predomínio do tom intimista, melancólico e invernal, em enquadramentos bem elaborados, o filme constrói o drama familiar entre João Carlos, a mãe Cecília Castanha e, ainda, vistos pouco e ao longe, um sobrinho marginal e drogado (vivido por um ator) e o ex-marido de Cecília (provavelmente pai de Castanha), que ela visita em um asilo de idosos. João Carlos e Cecília conversam, com afetos, e fazem a gestão desse núcleo familiar não convencional. As personagens são configuradas em sério, em ambientes internos, com som e luz naturais, diurna, moderada e fria ou, com tratamento similar mas noturno, nos ambientes de trabalho, camarins e espetáculos drags de Castanha. Há um paralelo entre a identidade de gênero, conforme explicado pela teoria Queer, e a forma narrativa de Castanha. O filme não pretende uma representação conclusiva, pois a construção dos planos e a disposição da montagem permitem o sentido em fluxo, variável, a partir da estratégia de documentário predominantemente na forma direta, mas também amparado na poética visual e na dramatização. Buscando perceber se há e qual é o desenho de queernesse que se apresenta no próprio corpo do filme, a análise se interessa pelas formas expressivas de Castanha enquanto produção de presença: não há um sentido prévio, unificado e separado da medialidade, mas sentidos possíveis em fluxo que ganham expressão num campo de imaginário. “O efeito de tangibilidade que surge com as materialidades de comunicação” se refere a todo o tipo de comunicação e ao “que está ao alcance tangível de nossos corpos” (GUMBRECHT, 2010, p. 38). A abordagem estética sensualista aponta o crescente interesse pelo Stimmung, que seria como efeitos corporais ligados aos “ambientes e atmosferas absorvidos pelas obras literárias enquanto forma de ‘vida’, ambientes com substância física, que nos toca como se por dentro” (GUMBRECHT, 2014, p. 32). O queer, com o qual Castanha dialoga, também diz respeito ao sentido pela produção de presença, quando afirma que os atos e gestos dos corpos humanos no espaço (performances) “criam a ilusão de um núcleo interno e organizador do gênero, ilusão mantida discursivamente com o propósito de regular a sexualidade nos termos da estrutura obrigatória da heterossexualidade reprodutora” (BUTLER, 2015, p. 235). Em cenas de documentário, sobre o corpo magro e com aspecto frágil de João Carlos surge Maria Helena Castanha e outros tipos – sempre drags ferinas e desbocadas. O travestimento é percebido como a subversão da ordem cogente do corpo, que “revela um dos principais mecanismos de fabricação através dos quais se dá a construção social de gênero” (NEWTON, E. Apud BUTLER, 2015, p. 236). Os filmes do New queer cinema constroem, geralmente com o lindo, camp e maravilhoso (no que Castanha difere com estratégias sérias), ambientes LGBTTT em que a forma do corpo do filme sugere e cria em si mesma um modo de ser queer. Será possível afirmar que as formas clássicas narrativas, como a mise-en-scène convencional da ficção e o documentário expositivo, operem com a construção de efeitos de produção de sentido na medida em que são discursos fechados. De outra feita, tal como em Castanha, as formas poéticas e os modos diretos e abertos de documentários de observação, que se apresentam como objetos vivos, em movimento e fluídos, são compreendidos, nesse texto, como efeitos de sentido enquanto produção de presença. A desconstrução das categorias fixadas de gênero, conforme a teoria queer, também se aplica ao corpo do filme e possibilita efeitos de vertigem e deriva como experiências de cinema próximas da vida. O queernesse é a atitude de não assimilação presente no corpo de Castanha enquanto documentário de observação e de poesia visual cujo sentido é sempre em fluxo. |
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Bibliografia | BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. RJ: Civilização Brasileira, 2015. |