ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Black Mirror e a melancólica festa da punição. |
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Autor | Isabel Almeida Marinho do Rêgo |
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Resumo Expandido | Na série Black Mirror, cada episódio conta uma trama idependente, com personagens distintos dos demais, em comum há o universo narrativo distópico. A série ambienta questionamentos filosóficos complexos acerca da vida humana e do desenvolvimento técnico-científico; com padrões morais, políticos e sociais alterados, o universo ficcional oferece uma experiência antropológica simulada. No universo da série, a inteligência humana e a artificial se confundem. Os dispositivos compreendem os humanos, decifram e controlam seus corpos, aconselham acerca de comportamentos, enquanto os humanos tendem a obedecer de forma maquínica. A Distopia apresenta seu foco nas relações sociais, mostrando um mundo em que a civilização entra em decadência ou destruição. O termo faz um contraponto à utopia, lugar idealizado por Thomas Morus (1997 [1516]), em que cada um aprende o ofício que mais lhe agrada; não há propriedade privada, cada família ocupa sua casa temporariamente e cuida muito bem dela e de seu jardim. A caracterização feita por Morus (1997) desse mundo constrói a imagem de um lugar ensolarado e florido, o oposto do que é pintado em Black Mirror, em que a civilização construiu um mundo que confina humanos em uma vida cinzenta e artificial. Este trabalho busca relacionar todos os episódios a partir das características formais e temáticas em comum presentes no universo da série. O que envolve todos os episódios como parte de um universo narrativo comum? É a questão que norteia esta investigação. Para responder, é importante observar os traços formais, ou seja, os recursos de expressão audiovisual utilizados para caracterizar o espaço em que os episódios se desenvolvem. As cores frias, sóbrias e escuras fazem parte da maioria das sequências; a arquitetura futurista com linhas retas é outro traço predominante que compõe a atmosfera melancólica em que os personagens vivem. O tema em comum é o adestramento dos cidadãos pelo aparato tecnológico alcançado, e por meio das punições que são infringidas a comportamentos reprovados na sociedade daquele episódio, que vão desde relacionamentos com pessoas do mesmo gênero, comportamentos pouco gentis, a pedofilia, assassinatos, ou se negar a cometê-los. Em comum, há a aprovação moral da vingança. À medida que os episódios se desenvolvem é possível perceber semelhanças e diferenças entre aquele mundo futurista e o contemporâneo. Destacam-se quanto a essas diferenças, as tecnologias alcançadas e os comportamentos relacionados a elas, como a capacidade de bloquear pessoas, as memórias que podem ser transformadas, apagadas, gravadas e compartilhadas como filmes e a replicação da consciência de um indivíduo. A composição de Black Mirror proporciona experimentar um universo com os campos moral, político e tecnológico alterados. Entretanto, o comportamento humano naquele ambiente, em vários aspectos, se assemelha ao que pode ser observado na contemporaneidade, como a busca pelo poder de adestrar outras pessoas por meio de punições. A tecnologia e inteligência artificial que revestem o espaço narrativo de Black Mirror desnudam os maiores desejos, temores e perversidades humanas, as quais estão presentes na contemporaneidade, muitas vezes, sem provocar estranhamentos. Na ficção, há todo um aparato tecnológico e moral da punição, a tecnologia põe em evidência o caráter vingativo dos personagens. Há diversas formas de punições no universo de Black Mirror: enganar, ferir, impor a convivência com seres artificiais ou em um mundo simulado, repreender orientações sexuais e expor a situações constrangedoras são algumas delas. Diante das telas dos aparelhos desligados, ou espelhos negros, os humanos podem visualizar suas silhuetas, o reflexo sem cores nem disfarces que os define. No mundo sombrio de Black Mirror, a dimensão vingativa daquela humanidade se delineia, e choca pela semelhança com a humanidade real. |
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Bibliografia | FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987. |