ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Interpretações do final feliz inter-racial na recepção fílmica |
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Autor | Ceiça Ferreira [Conceição de Maria Ferreira Silva] |
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Resumo Expandido | Em virtude da influência dos estudos culturais na teoria do cinema, houve uma ruptura teórico-metodológica a partir da qual as espectatorialidades passaram a ser pensadas como heterogêneas e ativas. Por isso, Robert Stam (2003, p. 257) afirma que “a história do cinema [...] é não apenas a história dos filmes e dos cineastas, mas também a história dos sucessivos sentidos que o público tem atribuído ao cinema”. Essa compreensão de que os significados não são fixos tornou-se possível a partir das reflexões propostas pelo modelo codificação/decodificação (encoding/decoding) de Stuart Hall, publicado em 1974, no qual o teórico indica três posições hipotéticas para se pensar o processo de recepção: preferencial, negociada e oposicional, que referem-se respectivamente à aceitação dos códigos de acordo com os objetivos de quem a produziu; à a negociação dos sentidos e à capacidade de interpretar a mensagem de forma contrária, ressignificando-a. Dessa forma, a partir da aplicação desse modelo na recepção do filme Bendito Fruto (Sérgio Goldenberg, 2004) em três grupos de discussão (1-estudantes universitários/as, 2-membros de uma associação de idosos/as e 3-servidores/as públicas), este trabalho investiga as interpretações do final feliz dado ao casal inter-racial Maria (Zezeh Barbosa) e Edgar (Otávio Augusto) e suas articulações com os imaginários sobre a intersecção de gênero e raça. Essa comédia é construída a partir do reencontro de dois antigos colegas de escola, o cabelereiro Edgar e a viúva Virgínia (Vera Holtz), o que causa uma reviravolta no relacionamento inter-racial não assumido que Edgar tem com a empregada Maria, com quem teve um filho (Anderson), também não-reconhecido. Logo, a narrativa joga com as aparências que fazem parte do cotidiano, no qual coexiste o afeto e hierarquias sociais, raciais e de gênero tão bem demarcadas, vivenciadas principalmente pela personagem Maria (mulher negra e empregada doméstica). A realização de tal pesquisa empírica de forma conjunta à análise do filme se insere num contexto de escassez de estudos sobre recepção fílmica (BAMBA, 2013; MASCARELLO, 2009) e sobre a intersecção de gênero e raça (MONTORO, 2009). Dessa forma, acerca do final feliz inter-racial, as/os participantes da recepção fílmica elaboram leituras preferenciais que se referem à concordância com tal representação de amor como superação das diferenças entre Maria e Edgar (grupos 1 e 2); à aceitação do modelo heteronormativo no qual a personagem Virgínia é a “outra” (grupos 1 e 2), um padrão tão naturalizado que não é visto como passível de crítica quanto à questão de gênero (grupo 3). Também desenvolvem leituras negociadas, com a problematização dessa representação de amor a partir das assimetrias de gênero e da caracterização das personagens femininas, associadas às funções de cuidado (grupos 1 e 3); e a crítica à imposição do casamento e aos limites da atuação feminina (grupo 2); e empreendem ainda leituras oposicionais, com a contestação do final feliz e a reivindicação de outros desfechos para a personagem Maria, que sejam capazes de destacar sua autonomia (grupo 3). Portanto, vale salientar a relevância dessa produção de sentido(s), na qual operam os significados oferecidos pelo filme e também os que são elaborados pelos/as receptores/as, a partir de seus repertórios culturais e daquele processo de recepção em grupo. Em linhas gerais, observa-se a conformação de assimetrias pré-estabelecidas e naturalizadas no imaginário romântico e na intersecção de gênero e raça; e considerando o domínio do não-dito, constata-se ainda como tais repertórios imaginários circunscrevem os modos de ver, impossibilitando a percepção de outras camadas de sentido exploradas no filme, nas quais pode-se observar um deslocamento na representação da personagem feminina negra. |
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Bibliografia | BAMBA, Mahomed (Org). A recepção cinematográfica: teoria e estudos de casos. Salvador: EDUFBA, 2013. |