ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Estratégias em 4000 disparos |
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Autor | Annádia Leite Brito |
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Resumo Expandido | A obra 4000 disparos foi realizada por Jonathas de Andrade durante o projeto Documento Latinamerica - Condução à Deriva, no qual, tendo como mote a sensação ambígua entre a pertença e a distância cultural e geográfica na América Latina, o artista viajou por seis países. O trabalho em questão foi executado em Buenos Aires, onde Jonathas de Andrade tomou uma câmera de super-8 e capturou em cada fotograma uma imagem do rosto de um homem distinto que passava pelas ruas. Desta ação, o primeiro desdobramento foi um vídeo de sessenta minutos em looping (2010) e, em 2011, foi publicado um livro contendo algumas imagens transpostas para o formato de flip book. A escolha do super-8 em preto e branco traz uma textura particular que remete a um passado situado entre os anos 1960 e 1970 – período no qual estava em curso o regime ditatorial na Argentina e em outros países da América Latina. O uso da palavra disparos no título – que, em inglês, carrega a ambiguidade da palavra shots – reforça a alusão a tiros e à violência, mas também ao próprio ato de captura de cada imagem no acionamento do obturador. Os primeiríssimos planos ganham uma dimensão de vigilância e catalogação de rostos que, no entanto, é tensionada com um “homoerotismo latente” discretamente insinuado, segundo Mazzucchelli (2011). Rolnik (2011) encontra em Educação para adultos (2010) – outra obra de Jonathas de Andrade – uma relação entre macro e micropolítica que, em sua tensão, cria faíscas ao invés de mensagens panfletárias e, dessa forma, é prenhe em potência disruptiva. Passa-se, então, a investigar a estrutura de 4000 disparos e suas estratégias para identificar os meandros da potência disruptiva contida também na obra analisada e como esta se dá tão imbricada no procedimento de articulação das imagens que, mesmo ao lidar com uma construção visual que alude notadamente a um período histórico violento, consegue estabelecer outra forma de olhar que cria tensão com a primeira. Formado por imagens tomadas uma a uma em momentos diferentes e encadeadas, seja no movimento cinematográfico do super-8 finalizado digitalmente ou na manipulação do livro ao passar as páginas, 4000 disparos tem modulações de velocidade que se dão, respectivamente, pelos desejos do artista e daquele que manuseia a brochura. No livro, é possível comandar o ritmo, passando página por página de maneira rápida ou lentamente, vendo os rostos em seus contornos definidos ou os borrões gerados pela movimentação do observado e do artista observador. No vídeo, as imagens estáticas se desenrolam em um fluxo acelerado que, por vezes, é ralentado e acaba por fixar um rosto em particular, retornando então ao aceleramento. Há em ambas as apresentações da obra uma questão que passa pela montagem (DIDI-HUBERMAN, 2013) como articuladora entre o fluxo e a parada, no entanto é uma montagem que durante a aceleração dá a ver a descontinuidade dos fotogramas e, durante a parada, mostra as indefinições provenientes do movimento dos corpos. Ao mesmo tempo que retoma um ato de vigilância, olhar estes homens remete também à percepção cinética e fragmentada da modernidade como foi diagnosticada por Benjamin (CRARY, 2012). O ponto de vista do observador traz a figura do flâneur e os homens observados durante o percurso lembram a passante de Baudelaire, amada no momento fugaz do encontro. Diante da desaceleração e visualização de um rosto, volta-se para o conceito de instante na modernidade (CHARNEY, 2004). São encontrados na obra choques em diversas instâncias – entre imagens estáticas e o movimento através da montagem; entre a observação violenta da ditadura e aquela movida pelo desejo na contemporaneidade; entre tempos e experiências diferentes de encadeamento das imagens através de dois dispositivos. São as ambiguidades criadoras de tensão que ensejam a potência disruptiva nesta obra de Jonathas de Andrade. |
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Bibliografia | CHARNEY, Leo. Num instante: o cinema e a filosofia da modernidade. In: CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa R. (Orgs.). O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2004. |