ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Eu indecifrável: o ator no underground brasileiro e argentino |
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Autor | Fernanda Andrade Fava |
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Resumo Expandido | Uma série de semelhanças envolvem O Bandido da Luz Vermelha e Puntos Suspensivos. São os primeiros longas de seus diretores, cuja trajetória é parecida: críticos de cinema que partiram para a realização. Ambos estão inseridos em correntes independentes e underground do cinema de seus países: Marginal, no caso brasileiro; Subterrâneo, no argentino. As similaridades vão além: protagonistas que indicam tipos essenciais (o bandido, o padre); personagens à margem (um bandido que fracassou; um padre abandonado pelos seus pares); a falsa busca de identidade que deságua na impossibilidade de ser respondida; a relação do eu com seus duplos e seus outros traduzindo alegorias e visões de mundo dos cineastas; a morte como final que dissolve e enclausura o enigma; as leituras do Terceiro Mundo; a estrutura fragmentada do relato. Sob a coincidência de estruturas tão parecidas, no entanto, os dois filmes divergem no que diz respeito ao registro de atuação adotado por seus atores. Dos dois lados, a atuação age quebrando a transparência do dispositivo; em ambos, o personagem é exterioridade e não há construção psicológica. Mas, dentro desse mesmo guarda-chuva anti-naturalista, o trabalho dos atores parece se situar nos extremos: onde a performance de Paulo Villaça (o bandido Jorginho) aposta no exagero e nos excessos (gestuais, identitários, de expressões faciais e corporais, de movimento, de figurino), a atuação de Jorge Alvarez (o padre M.) foca na rarefação, no minimalismo, na vagarosidade, na inexpressividade, por vezes na imobilidade e na contenção do gesto e do semblante. Onde, por um lado, há a construção do modelo em Alvarez, quase como Bresson em seus filmes, por outro lado, irrompe na tela as invenções de um ator-autor em Villaça, bem aos moldes da teoria criada por Patrick McGilligan (1975). Seria possível, então, fazer a correlação na leitura dessas orientações essenciais com o abismo das identidades que perpassa os filmes, entre o símbolo do vazio e do múltiplo? A hipótese que trabalho nesta análise é que haveria, sim, uma associação entre o registro de atuação frenético e excessivo de Villaça para o Bandido da Luz Vermelha e um sentido de identidade múltipla e dilatada, no filme, que ultrapassa o continente do personagem, se expande e contamina os outros personagens – Bernardet (1991) aponta traços do bandido e do próprio Sganzerla em alguns deles – e os outros âmbitos do filme, como montagem, enquadramentos, cenários, trilha sonora. Neste caso, a identidade não pode ser definida porque é um sem limites de possibilidades. Haveria também, portanto, relação entre o vazio de M. e uma ideia de identidade-espelho: na ausência de uma identidade para habitar o corpo em cena, esta superfície em branco faz refletir o outro, os discursos de seus interlocutores, como mostra Oubiña (2011). Acredito que esta dialética interna dos filmes esteja relacionada com uma câmera e narrativa híbridas, que representam não só a influência das personagens, mas também a visão de mundo e a poética própria do realizador, utilizando o conceito de Subjetiva Indireta Livre de Pasolini (1982). Afinal, a identidade e a narrativa estilhaçadas de O Bandido revelam que o corpo dos atores é um dos veículos de Sganzerla em sua metáfora do Brasil e do Terceiro Mundo, como deixaria claro a leitura de Ismail Xavier (2012). O círculo social de M. em Puntos Suspensivos é metonímia para expor os setores reacionários da sociedade argentina, mas também o vetor de temas que permeiam a obra de Cozarinsky, como o exílio, a necromancia, o dilema entre civilização e barbárie, a ameaça e a incorporação da alteridade, como identifica Olivo Júnior (2015). Esta investigação dialoga com minha pesquisa de mestrado, a ser defendida em agosto. Nela realizo um estudo comparativo entre filmes do Cinema Marginal, no Brasil; e do Grupo de los Cinco e do Cine Subterráneo, na Argentina, entre 1968 e 1971, recorrendo ao exame das narrativas, da apreensão temporal e do trabalho dos atores. |
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Bibliografia | AMIEL, V. Le Corps Au Cinéma: Keaton, Bresson, Cassavetes. Paris: Presses Universitaires de France, 1998. |