ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Fronteiras do “Verdear”: o fantástico em Mal dos Trópicos e Droenha |
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Autor | Fabrício Basílio Pacheco da Silva |
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Resumo Expandido | Este trabalho procura discutir as relações entre cinema e literatura a partir da análise de espaços insólitos. Para tal fim, associamos a construção do espaço no filme Mal dos trópicos (2004), de Apichatpong Weerasethakul e no conto Droenha (1985), de João Guimarães Rosa, com o intuito de problematizar como a construção do sobrenatural em ambos se estabelece por meio das fronteiras entre territórios “realistas” e “alucinantes” (FURTADO, 1980). Nas obras figuram protagonistas moradores de um mundo urbano, que ao adentrarem em espaços naturais e desconhecidos são gradualmente privados de seus índices materiais de convívio sociocultural (roupas e armas) para se entregaram em diferentes escalas do irreal. Em Mal dos Trópicos acompanhamos a “permeabilidade entre mundos humanos e não humanos” (INGAWANIJ, 2015, p.245) pela errância do soldado Keng, enquanto que no conto roseano, o foragido Jenzirico se esconde na “Serra” transitando por dois espaços, “as pedras” e a “brenha”. O primeiro é pautado pela escassez e pela racionalidade, enquanto que o segundo pela exuberância e pelo contato com o inconsciente. Para tal fim, conjugamos o surgir desses espaço insólitos e sua oposição ao real com conceito de heterotopia, que para Foucault (2009) são “espécies de lugares que estão fora de todos os lugares, embora eles sejam efetivamente localizáveis” (2009, p.415), o que assemelha a noção de espaço liso (DELEUZE, GUATTARI, 1997). Em oposição ao espaço estriado – pautado pelas sedimentações capazes de abarcar o espaço da normatização da vida e da distribuição de lugares e funções para os sujeitos neles inseridos – o espaço liso se compõe como nômade e direcional, por elementos que são inseparáveis entre si, mas ao mesmo tempo heterogêneos. Assim, as noções de espaço liso, como as heterotopias, se revelam ferramentas essenciais para o entendimento da multiplicidade de significados e ruptura com o real estabelecidas por um espaço sobrenatural. Além disso, nos interessa analisar como esta duplicidade espacial reverbera na própria constituição do fantástico, que se estabelece por um jogo duplo perpétuo e permeável entre dois discursos opostos: o do real e o do irreal. É o que Wofgang Iser (2013) aponta ao afirmar que o ficcional “converte a fantasia em realidade e a realidade em um território conquistado da fantasia”. Nesse meio, o fantástico surge através da transgressão da realidade (ROAS, 2014), representando o incomum, o excepcional e, assim, interrogando as concepções socioculturais vigentes. Este real tem como ponto de ancoragem a própria causalidade interna da narrativa, que deve oferecer, mesmo fraturada, signos que possam ser interpretados a partir da experiência de mundo do espectador. Acreditamos que esse dois eixos de análise possibilitam problematizar os efeitos opostos produzidos nas obras e as alocações destas em gêneros vizinhos ao fantástico. No filme de Apichatpong, a metamorfose entre Keng e o fantasma conduz a porosidade, apreendendo a floresta como o locus da harmonização entre o possível e o impossível e, portanto, se ligando ao realismo maravilhoso (CHIAMPI, 2008), no qual o sobrenatural se incorpora ao cotidiano. Já em Droenha o sobrenatural tem um efeito desconciliador, a relação com a brenha leva Jenzirico à insanidade, ou seja, à uma cisão entre primitivo e civilizado, se aproximando ao conceito de Unheimlich (FREUD, 2010), que remete ao estranhamento experimentado em relação àquilo que nos parece familiar. A hipótese que ponderamos é de que as fronteiras físicas apartadas entre o real e o sobrenatural a partir da oposição entre territórios urbanos e selvagens tornam-se permeáveis por meio da interação dos corpos dos protagonistas com os territórios do “verdear”, para usar a expressão de Guimarães Rosa. Afinal, o choque entre esses espaços promove a deterioração da memória e a perda da identidade, revelando nos protagonistas novos modos de olhar o mundo. |
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Bibliografia | CHIAMPI, Irlemar, O Realismo Maravilhoso. São Paulo: Perspectiva, 2008. |