ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | O realismo como método em São Bernardo, de Leon Hirszman |
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Autor | Pedro Vaz Perez |
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Resumo Expandido | Leon Hirszman não foi muito adepto à produção textual. Mas deixou registrados entrevistas e debates nos quais é possível entrever uma coincidência entre sua visão de mundo e de cinema, em que a problematização do real – na chave mesma do realismo, e não em sua negação, como nos projetos alegóricos de notáveis como Glauber e Sganzerla – fazia emergir sua política. Os cineastas, para Aumont (2004), possuem ideias teóricas implícitas às suas produções, mas só alguns deles as explicitam. Entretanto, frisa o autor, o cineasta não pode evitar a consciência de sua arte, a reflexão sobre seu ofício e suas finalidades. Em Hirszman, o pensamento sobre o mundo é apenas inferido a partir de suas declarações, por isso permanece implícito e precisa ser deduzido das imagens e sons que cria. Seu cinema “diz” o mundo; sua obra é a de um artista com um projeto, um desejo de criação motivado por proposições sobre a realidade que o cerca. Na entrevista concedida a Alex Viany (1999, p. 296), à influência da teoria de Marx, ele aborda os anos de exílio no Chile, após o golpe de 1964, refletindo sobre a necessidade de “compreender melhor o método” de um cinema que se localiza entre o marxismo e a “realidade do povo oprimido”. Anos antes, em debate sobre Deus e o diabo na terra do sol, transcrito em O processo do cinema novo (VIANY, 1999, p. 79), o cineasta se propunha a pensar o real a partir do cinema: “tenho uma ideia central, quero transmiti-la; eu tenho uma visão de mundo e vou utilizar um método, um personagem ou aquilo que, em meu entender, devo utilizar”. Partindo de uma compreensão materialista da história, entendemos que, para Hirszman, aquilo a que Metz (2014) chama “impressão de realidade”, o caráter icônico e indicial da imagem do cinema, faz deste meio espaço privilegiado para a investigação da realidade social. Nossa hipótese é de que, através da construção de um discurso baseado na estética sóbria de um moderno realismo materialista, o cinema de Leon Hirszman constrói/investiga, com imagens e sons, uma teoria sobre o Brasil e as estruturas sociais que erigem instituições de poder, lastreadas pelo capital, e que, consequentemente, produzem determinadas formas de vida. Teoria que encontra par no pensamento social brasileiro, sobretudo em Darcy Ribeiro (2006). Leon constrói uma representação complexa de país, como se buscasse responder à questão proposta no título de seu filme perdido, Que país é esse?. Este “método” aparece mais explícito em sua atuação como documentarista, com inclinação antropológica (AUTRAN, 2004). No campo dos filmes assumidamente ficcionais – mesmo considerando contaminações entre o ficcional e o documental –, o uso da câmera e da montagem como método de investigação se dá de maneira menos evidente. Acreditamos que estes filmes, para investigar determinada realidade, colocam em questão a própria noção de real, subvertendo por dentro a concepção do realismo, seja numa emulação moderna do realismo crítico proposto por Pudovkin (1983), guiada por uma determinação ética inerente à abordagem antropológica, numa apropriação “a contrapelo” do realismo, como propõe Xavier (2003) em análise de A falecida. Elegemos, neste trabalho, o filme São Bernardo (1972) como objeto, por acreditarmos que o gesto de subverter o realismo por dentro – mas sem negá-lo –, se dá de maneira mais intensa, num realismo investido de um “estilo anticinema clássico, produtor de estranhamento”, como propõe Ismail Xavier (1997) – na mesma medida em que transborda a influência do distanciamento brechtiano. O excesso e o rigor nos enquadramentos diminuem a influência do fora de campo nas situações filmadas, chamando o espectador apenas para aquilo que está dentro do quadro, aquela dada disposição de forças e movimentos em um espaço concentrado, onde a mise-en-scène e o tempo dilatado da montagem parecem questionar a própria noção de real no cinema. Assim, questionamos: o que é o real no cinema de Leon Hirszman, e como dele emerge sua política? |
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Bibliografia | AUMONT, J. As teorias dos cineastas. Campinas: Papirus, 2004. |