ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Dente Canino e Miss Violence: a violência dos afetos |
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Autor | Catarina Andrade |
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Resumo Expandido | O cinema grego contemporâneo tem produzido obras, no mínimo inquietantes, tanto do ponto de vista estético quanto temático. Esse cinema parece ter o corpo como sua força motriz, mas trata-se de um corpo mutilado, doente, deformado, desajeitado, supra-gestual, que leva o espectador a associa-lo a experiências de traumas físicos e emocionais. De uma maneira geral, esses traumas estão relacionados a perdas: da capacidade de convivência, do controle, de pessoas, de partes do corpo, e, até mesmo, do próprio corpo. Alguns críticos e pesquisadores consideram como a Greek New Wave (Nova Onda Grega) – ou como a Greek Weird Wave (Estranha Onda Grega) os filmes que se dirigem aos espectadores afetivamente, a partir da performance e da mise-en-scène dos corpos dos personagens. Segundo Afroditi Nikolaidou, essa estética performativa do cinema grego deve ser contextualizada dentro do ambiente econômico e cultural recente, levando-se em consideração sua forma e formação, e em que medida essa categoria possui características em particular (Nikolaidou, 2014). Nesse sentido, cineastas como Yorgos Lanthimos, Alexandros Avranas, Athina Rachel Tsangari, Stravos Psyllakis, Yiannis Papadopoulos, vem realizando obras dentro dessa estética performativa – aliada a um contexto econômico, político e cultural enfrentados pela Grécia na atualidade –, corporal-centrada, ou seja, em função dos gestos e das temáticas concernentes ao corpo. Portanto, importa pensar os corpos nesse cinema a partir da identificação do desejo, da afetação dos sentidos (MARKS, 2000), mas também enquanto identificação cultural e material de uma possível realidade trazida pela ficção cinematográfica. Assim, propomos pensar o corpo também enquanto espaço ideológico, enquanto um território de que, para emancipar-se necessita estabelecer relações de afeto e de violência. Desse modo, pretendemos investigar, nos filmes Dente Canino (Yorgos Lanthimos, 2009) e Miss Violence (Alexandros Avranas, 2013), a partir das teorias do corpo que perpassam os aspectos da estética, da percepção e do gênero, os corpos que carregam discursos (BUTLER, 2002), as distintas maneiras como esses corpos se estabelecem em cena, e, de que modo eles surgem como performance. Nos dois filmes o elemento central é a família, que parece se apresentar como um microcosmo político de uma sociedade fundamentada na violência (inclusive numa violência do próprio afeto), uma vez que se configura enquanto espaço de refúgio e de afeto, e, ao mesmo tempo, de violência e de opressão. Ao perceber as famílias retratadas nos filmes enquanto microcosmos de um certo estado de coisas da sociedade, propomos compreender as formas de dominação que se instauram, as fronteiras que esses corpos estabelecem enquanto sujeitos (capacidade de agência) e enquanto objetos (assujeitados). Nessa relação, Dente Canino e Miss Violence parecem revelar um lado perverso da humanidade, representado sobretudo nas figuras paternas, mas, também, nas figuras maternas que, apesar de sofrerem com os maridos, ajudam a consolidar e reproduzir o sistema de dominação por eles instaurado, não parecendo demonstrar algum sentimento de desejo de ruptura com o que fora por eles estabelecido. Assim, esses filmes parecem criar uma espécie de “mundo originário”, “um mundo de uma violência muito especial (sob certos aspectos, é o mais radical)” (Deleuze, 2009 p. 190). Portanto, tomaremos a categorização de Deleuze de imagem-afecção e imagem-pulsão, paralelamente ao conceito de cinema de performance (DEL RIO, 2008), de performatividade (BUTLER, 2002) e da estética performativa própria ao cinema grego (Nikolaidou, 2014), dentro de um “sistema de evidências sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas” (RANCIÈRE, 2005 p.15), no intuito de perceber se, e de que modo, o cinema constrói essas imagens na violência e no afeto vividos pelos corpos nos filmes e instaura em cena uma “violência dos afetos". |
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Bibliografia | BUTLER, Judith.Performative Agency. Journal of cultural economy. Londres, v. 3, n. 2, set. 2010. |