ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Cinema pornô e a verdade do sexo: efeitos performativos |
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Autor | Camila Macedo Ferreira Mikos |
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Coautor | Jamil Cabral Sierra |
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Resumo Expandido | O longa-metragem Garganta Profunda (1972), dirigido por Gerard Damiano, é considerado um dos percursores da indústria do cinema pornográfico, ou seja, do sistema de produção e distribuição massiva de filmes com ações sexuais explícitas voltados à excitação sexual do público espectador. No filme, encontramos os dois elementos que se tornaram paradigmáticos para a pornografia audiovisual: “[...] a exibição em close das genitálias em ação e a ejaculação masculina fora do orifício vaginal feita 'para a câmera' (o money shot ou come shot)” (ABREU, 1996, p.96). A esses componentes, Nuno Cesar Abreu atribui a evidência de verdade e o efeito de impressão de realidade (1996, p. 65), importantes para o sucesso com o público. Da análise das sequências de ação sexual presentes em Garganta Profunda, podemos assumir que o “em ação” ao qual se refere Abreu é equivalente à “em penetração heterossexual”, mantendo-se, no filme, fixas as posições do homem enquanto penetrador e da mulher enquanto penetrada, mesmo quando o órgão penetrante não é um pênis e/ou o orifício penetrado não é uma vagina. Em diálogo com as noções de Judith Butler (2002, 2013a, 2013b) acerca da matriz heterossexual e do encadeamento – produzido por essa matriz - entre sexo, gênero e desejo, em continuidade e coerência, lançamos a desconfiança de que os closes nas genitálias em penetração são produzidos pelo e (re)produtores do entendimento de que a diferença sexual se evidencia – isto é, faz-se visível - na matéria dos corpos, mediante uma lógica de incomensurabilidade e de não contradição que estabiliza as oposições macho x fêmea, homem x mulher, penetrador x penetrada. Essa proposição dos corpos como instâncias inequívocas, sem história, anteriores aos processos de materialização e regulação, vinculadas ao que Alfredo Veiga Neto (2002) chama de primado da visão nas ciências modernas – a saber, o estabelecimento do olhar atento, cauteloso, metódico, como possibilidade de revelar a realidade e as verdades do mundo – parece-nos ter condicionado, no interior do dispositivo de sexualidade (FOUCAULT, 1999), as próprias possibilidades de emergência do cinema pornô. Primeiro, pois o desenvolvimento de mecanismos óptico-químicos de observação (como as câmeras fotográficas e cinematográficas) estão ligados à busca por modos mais neutros e objetivos de ver – ou produzir imagens – das coisas (não à toa, as lentes fotográficas são chamadas de “objetivas”). Segundo, como aponta Linda Williams (1989), porque é dessa nova maneira de construir conhecimentos e verdades sobre os corpos – utilizando máquinas que “enxergam melhor do que o olho humano” para capturar e tornar visível a mecânica dos movimentos corporais, como nos experimentos com fotografias sequencias de Eadweard Muybridge, por exemplo – que se manifesta a produção de narrativas e de mise en scènes erotizadoras dos corpos das mulheres. Por fim, o que propomos neste trabalho, tomando como disparadora a intensa vontade pornográfica de evidenciar que os atos sexuais postos em cena são reais (especialmente via closes e come shots), são apontamentos a respeito do que há de performativo nas ações sexuais do cinema pornô - em como repetindo, recitando e performando, em regularidade com determinadas normas, a pornografia audiovisual sedimenta a relação sexual normativa e a (re)produz enquanto verdade. |
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Bibliografia | ABREU, Nuno Cesar. O Olhar Pornô: A representação do obsceno no cinema e no vídeo. Campinas: Mercado de Letras, 1996. |