ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | O "poético" no discurso crítico acerca da obra de Cao Guimarães |
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Autor | Carla Miguelote |
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Resumo Expandido | “O que é a poesia?”. Pergunta reiteradamente colocada, reiteradamente não respondida. A ausência de resposta não invalida o questionamento, entretanto. Como aponta Jean-Luc Nancy (2005, p. 13), “a história da poesia é a história da renúncia persistente em deixar a poesia identificar-se com qualquer gênero ou modo poético”. A dificuldade de definição é ainda agravada pelo fato de que “a palavra ‘poesia’ designa tanto uma espécie de discurso, um gênero no seio das artes, ou uma qualidade que pode apresentar-se fora dessa espécie ou desse gênero, como pode estar ausente nas obras dessa espécie de gênero” (NANCY, p. 9). Ora, o cinema parece ser um dos lugares privilegiados, fora do gênero da poesia, para a manifestação da qualidade da poesia. Pelo menos desde a década de 1920, com o interesse das vanguardas pela imagem em movimento, a poesia foi diversas vezes apontada como a aspiração mais elevada do cinema. A dificuldade de teorizar a poesia dentro do campo literário não é amainada, pode-se imaginar, no campo cinematográfico. “A teoria da poesia cinematográfica é, portanto, rara, difícil, excepcional, singular” (AUMONT, 2004, p. 90-91). Nesse sentido, observamos que os vocábulos “poesia”, ‘poética”, “poético” são frequentemente empregados nos discursos críticos acerca dos filmes e vídeos de Cao Guimarães, mas poucas vezes se explicitam nesses textos a que concepção do “poético” esses empregos remetem. Se partirmos da premissa de que a poesia propriamente não existe, de que não se pode imputar nenhuma essência imutável e a-histórica à poesia, de que sob esse nome se abrigam práticas plurais e diversas, será preciso indagar esses discursos críticos em busca de seus pressupostos implícitos. Ou seja, precisamos perguntar a que concepções específicas do poético esses textos se referem. Em um horizonte mais amplo, portanto, o presente trabalho pretende contribuir para uma investigação acerca da concepção do “poético” quando o termo se encontra referido a obras audiovisuais. Perguntamo-nos sobre o que é o poético olhando não exatamente para as obras assim qualificadas, mas para o discurso crítico que adota o adjetivo qualificador. Tal investigação se insere na linha do estudo “Qu’est-ce qui est ‘poétique’? Excursion dans les discours contemporains sur le cinema” (2012), das pesquisadoras Nadja Cohen e Anne Reverseau. Partindo da constatação de que o adjetivo “poético” é constantemente usado na crítica contemporânea de cinema, embora nunca definido com rigor nesse campo, as pesquisadoras rastreiam os usos do termo e observam que suas recorrências convergem para três concepções do poético fora do campo da poesia: “a oposição a uma norma, em particular narrativa, o embaralhamento entre as fronteiras do sonho e da realidade na linha dos surrealistas, e a concentração sobre seus próprios meios encarada como um essencialismo” (COHEN; REVERSEAU, 2012, p. 174, tradução minha). Observamos que, além das características acima apontadas, os textos críticos acerca da obra de Cao Guimarães frequentemente apontam a atenção renovada ao desimportante, ao banal e ordinário como um traço poético do trabalho do artista. Estamos nos referindo, sobretudo, aos ensaios “Poética molecular”, de Adolfo Montejo Navas, “Ex-isto: Descartes como figura estética do cinema de Cao Guimarães” e “Tempo e Dispositivo nos Filmes de Cao Guimarães”, de Consuelo Lins, e “Mundo desgarrado”, de Cezar Migliorin. O trabalho pretende investigar, portanto, em que medida a concepção do poético no discurso crítico sobre práticas audiovisuais contemporâneas corresponde a suas tentativas de circunscrição no campo da teoria literária e, ainda, perscrutar as aproximações possíveis entre essa concepção e as práticas efetivas da escrita poética contemporânea. No horizonte desta pesquisa (do rastreamento do que se entende por poesia fora do campo poético), está a aposta de que concepções extraliterárias do poético possam nos ensinar algo acerca da própria poesia. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. As teorias dos cineastas. Campinas, SP: Papirus, 2004. |