ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | O espaço de palavra e o lugar do espectador no cinema de Rithy Panh |
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Autor | Tomyo Costa Ito |
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Resumo Expandido | As palavras, como procedimentos cinematográficos, foram e são largamente utilizadas no documentário: a entrevista, a voz over, e as cartelas constituem-se como principais destes. Ao longo da história do cinema, estes procedimentos vêm sendo deslocados e trabalhados de diferentes formas pelos diretores, tendo modificado as relações entre cineasta e filmados, entre filme e espectador. Em sua atitude como diretor, Rithy Panh busca que os personagens e os espectadores de seus filmes tenham um lugar para utilizarem a palavra. Durante o trabalho de filmagem, o diretor afirma detestar fazer perguntas, o que lhe interessa é criar situações para desencadear a palavra. “Se eu faço o carrasco se sentar ao lado de 4.000 documentos de arquivo, isso muda sua forma de pensar” (PANH, 2103: 93). Neste encontro há o respeito pela escuta do outro: “o câmera deve aprender a escutar em primeiro lugar” (Ibid.: 105). No momento da montagem, dá-se continuidade, e os relatos são mantidos por sequências e não são “picotados”, já que há “um ritmo [das falas dos personagens], que envolve tudo, a palavra e seu sentido, que cria a poesia” (Ibid.: 103). Panh diz escutar, não só às palavras, mas a respiração dos personagens: é preciso “respeitar o fôlego da palavra”. A eliminação dessa respiração, frequente no cinema documental, é realizada pelo uso do plano de corte, que “leva à fabricação de diálogos em off. Essa fabricação é sempre tentadora. É por isso que o plano-sequência é a forma ideal, se o alcançamos” (Ibid.: 106). Se a respiração é mantida, a palavra montada com a imagem ganha outra dimensão, pois “ela não servia para reforçar a imagem; às vezes chegava mesmo a contradizê-la” (Ibid.: 103). Os filmes de Rithy Panh são resultados de um percurso amplo, em um trabalho de historiador e arquivista na busca de imagens, na escuta atenta de um conjunto de vozes, constituindo um método de elaboração da memória histórica do Camboja (LEANDRO, 2014). Para Mondzain (2009: 72), a “força da imagem é proporcional à potência das vozes que a habitam”. Nesse sentido, apostamos que a relação entre palavras e imagens, em seus filmes, produz uma experiência que define um lugar do espectador marcado por um falar das imagens que se dá na separação entre o “visível e o sujeito do olhar” (MONDZAIN, 2009). Ao pensarmos essa experiência de separação, é preciso considerar que a própria definição de imagem, que Mondzain (2013) propõe a partir de textos dos padres do período bizantino, se estabelece a partir da relação de duas instâncias separadas: o visível e o invisível. Este último é o “lugar do outro na construção de um ‘ver em conjunto’”. (MONDZAIN, 2011). A possibilidade de relação com o outro no cinema se dá pelo uso das palavras pelos espectadores, são elas que estabelecem o invisível e, em consequência, a possibilidade de um ver juntos. Mondzain (2011: 115) - que diz que “renunciar ao tudo é inventar a imanência do invisível no próprio visível”, dialoga com o pensamento de Jean-Louis Comolli (2008) sobre o lugar do espectador que, ao elaborar a impossibilidade do tudo se vê engajado, movimento necessário para o estabelecimento de um processo de simbolização, já que a imagem do cinema é capaz de, “ao mesmo tempo, tensionar e torcer o mecanismo do olhar, incitar o espectador à sua própria transformação crítica, fazer cintilar o invisível como a superfície mesma do visível” (COMOLLI, 2008: 142). Consciente de suas escolhas, Panh (2013: 82) critica certo tipo de documentário, que chama de “cinema de entrevista” que adota a norma do “naturalismo”, em que “é preciso revelar uma realidade supostamente ignorada pelo grande público, envolvendo o espectador com o apelo de efeitos dramáticos e estéticos”. Segundo o diretor, este estilo documental tem por objetivo comover o espectador com uma denúncia, mas que acaba apenas confortando-o, com pouca modificação de seu lugar que se mantém como um espaço reduzido de troca de palavras das questões e das experiências em jogo no filme. |
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Bibliografia | COMOLLI, Jean-Louis. Retrospectiva do espectador. In: ______. Ver e poder. A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Ed. UFMG, p. 135-142, 2008. |