ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Entre o fora e o dentro da cena, o descontrole na construção do "eu" |
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Autor | Txai de Almeida Ferraz |
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Resumo Expandido | Em No Interior da Minha Mãe (2013), o diretor Lucas Sá filma uma viagem de seu núcleo familiar para a pequena São João dos Patos, município onde sua mãe e tias viveram boa parte de suas vidas. Com a câmera sempre à mão, o realizador tenta impor a esse registro familiar um regime observacional, como se não estivesse em cena. O dispositivo, no entanto, é desmontado pelos seus parentes, que insistem em dirigir-se ao antecampo, revelando uma motivação autobiográfica da empreitada e uma implicação clara do diretor com os sujeitos filmados. Mas a obra não se estrutura apenas em torno desta questão, dando a ver um interesse oscilante que passeia entre vários "microtemas" suscitados pela viagem, como a ida a um parque de diversões e a subida a um mirante da cidade. Em meio a esses fragmentos, um personagem "do diretor" surge na narrativa de maneira apenas insinuada, rarefeita, distante de uma centralidade egóica que unificaria as figuras de cineasta e protagonista na trama de sua busca familiar. O "eu" que surge na narrativa é desmembrado, subsumindo no mundo com o qual é constantemente confrontado. Se por um lado o personagem assinala fechamentos, estes também não se dão sem movimentos contrários de abertura e fragmentação. De acordo com a pesquisadora Roberta Veiga (2016), que formula o conceito de "autobiografia não-autorizada", o sujeito que é enunciado e enunciador ao mesmo tempo tem dificuldade de ter total domínio sobre a narrativa em que se inscreve, fazendo-o perder as rédeas de sua própria obra, em um fazer estético que o conforma não como "eu" monolítico, mas como um "outro", poroso ao acaso e ao fluxo, que surge no ato mesmo da escrita. Há então uma forte noção de processualidade em jogo, entendida aqui como a capacidade do filme desdobrar-se no tempo e confundir-se com a experiência vivida, "sendo por ela limitado, estimulado, transformado, conformado ou até mesmo expandido, potencializado" (MESQUITA, 2011, p. 18). Na especificidade do jogo da escrita de si, a processualidade se dá justamente na distância entre o "eu de fora" e o "eu de dentro da tela". Este último construído em ato, processualmente, e nunca apriorístico. Diante desta perspectiva, torna-se inevitável não se interrogar sobre aspectos extra-fílmicos, e em que medida em que eles podem nos ajudar a compreender com mais clareza como a passagem do "eu de fora" para "dentro" da narrativa pode operar. O presente trabalho - fruto de uma dissertação em curso -, tomou então a opção metodológica de enriquecer o corpus de análise com informações coletadas em entrevista com o diretor sobre o processo fílmico. Em nosso contato, Lucas Sá revelou ter feito uso de trucagens deliberadas na montagem para diminuir sua centralidade no filme: apagou sua própria voz inúmeras vezes e provocou conscientemente "aberturas" na narrativa que retiram o filme do eixo mais autobiográfico, entre outras estratégias de descentramento de sua figura. Desta maneira, onde antes acreditávamos estar diante de uma experiência de descontrole da escrita em primeira pessoa, a entrevista nos mostrou que também aí podem residir cálculos e planejamentos. Longe de reforçar por vias tortas uma pretensa coincidência entre o "eu de dentro" e o de "fora da tela", acreditamos todavia que a inscrição do eu na narrativa sempre guardará algo de escapável, extrapolando aos planos do realizador, mesmo quando estes buscam emular um descontrole. O que parece ficar claro, sem sombra de dúvidas, é que essa experiência de realização não pode ser tomada como ingênua diante de seus próprios efeitos. Em No Interior da Minha Mãe, a indicialidade da imagem documentária é posta a confundir o espectador. Nem tudo que aparece como descontrole ou como risco - embora sirva perfeitamente a este fim narrativo -, pode ser tomado assim quando considerado o plano extrafílmico, o que revela um jogo nuançado e complexo do movimento de construção do eu. |
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Bibliografia | BRASIL, André. Formas do antecampo: performatividade no documentário brasileiro contemporâneo. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 20, n. 3, pp. 578-602, set./dez. 2013. |