ISBN: 978-85-63552-24-2
Título | Onde começa o mar? Os roteiros não filmados de Mário Peixoto |
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Autor | Pablo Gonçalo |
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Resumo Expandido | Marcada pelo enigma, a obra cinematográfica de Mário Peixoto costuma ser sintetizada e restrita a Limite (1931). Seminal, esse filme poema não é apenas singular e emblemático como tornou-se um dos mais influentes do cinema brasileiro e uma das principais realizações que transita entre arte, poesia e vanguardas no período do cinema mudo. Mário, no entanto, tinha apenas vinte e dois anos quando estreou no cinema. Em seguida, ainda realizou uma segunda tentativa, com Onde a terra acaba (1933), e interrompeu as filmagens de forma também misteriosa. Morto aos oitenta e quatro anos, Mário Peixoto nunca mais dirigiu ou montou nenhum outro filme. Ficou conhecido como o cineasta de apenas uma única e lendária obra. O que poucos salientam é que Mário Peixoto possui, paralelamente a esses dois episódicos cinematográficos, uma ampla e robusta obra literária assim como uma significativa produção de roteiros de projetos que gostaria de ter visto na tela. É nesse hiato entre as letras, as palavras e as imagens na tela que esta apresentação pretende contribuir com o debate do Seminário Temático. O que esses roteiros nos possibilitam vislumbrar? Que tipo de imagem um roteiro não filmado nos propicia? Será que podemos deslindar uma outra concepção de obra cinematográfica que não esteja delimitada apenas pela experiência da sala escura? A Alma segundo Salustre foi escrito nos anos cinquenta e era um dos principais projetos cinematográficos , que ele realmente pretendia filmar. O cerne da nossa apresentação será um resumo e uma análise desse roteiro, que foi publicado em 1983 pela editora da Embrafilme. No filme, temos personagens extremamente instigantes, como Timbo, uma jovem “meio retartada”, César, um homem que perdeu a voz, e Aracungo, um jovem ladrão sujeito a ataques epiléticos e mais diversos outros “nativos”, que seriam personagens caiçaras e ancilares à trama. Percebe-se no roteiro uma continuidade espacial com Limite, já que sua trama também ocorre na costa fluminense. Constata-se uma forma de elaboração imagética extremamente sugestiva, que combina sons, movimentos da natureza, paisagens e sensações vinculados a um potente imaginário poético. Os sons dos ruídos de asas de insetos e borboletas, por exemplo, encadeiam uma série de raccords que muito se assemelham aos de Limite. Ancorado em metodologias dos estudos de roteiro (Screenwriting Studies) faremos uma análise sintética das potentes imagens poéticas que Peixoto imaginou para as telas assim como co-relações estilísticas da estética proposta no roteiro com seus temas e formas comuns em Limite e na obra literária de Mário Peixoto, sobretudo a poética. A comparação também contrastará aquele roteiro com outros não filmados, como é o caso de Outono e o Jardim Petrificado, escrito nos anos oitenta, em parceria com Saulo Pereira de Mello. Os roteiros não filmados, por outro lado, nos convidam a uma seara especulativa. No debate sobre uma certa “ontologia” do roteiro, afirma-se que esse “objeto” e essa forma de escritura é marcada pela efemeridade, a desaparição, a sobreposição e o apagamento (Price, 2013). Os roteiros que ainda quedam sem tela traçam, contudo, uma ligeira diferença. Eles possivelmente apontam para uma ontologia da incompletude, uma ontologia de um ente ainda indefinido, aberto, poroso, e que sugere imagens potentes, mas que tampouco existem, ou adquiriram materialidades como a tela e as nossas retinas. Dessa forma, nossa apresentação proporá uma abordagem de uma escrita especulativa que marca, inclusive, a leitura, as potências imagéticas e os gestos cinematográficos que estão latentes em cada roteiro não filmado. A partir de conceitos como potencialidade, viritualidade e acaso – vindos da obra do filósofo francês Quentin Meillassoux – proporemos uma compreensão dos roteiros não-filmados como proto-arquivos que oscilam entre distintas temporalidades, como a espera e a demora; obras que por ora são embaladas numa cadência genuinamente especulativa. |
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Bibliografia | DERRIDA, Jacques: Mal d'archive: une impression freudienne. Paris: Gailée, 1995. |